Um Conto do Cerrado

        Sentados em banquinho em frente de sua casa, embaixo do grande pé de Jatobá, ao cair da noite, Doninha e seu marido ficam horas a contemplar o horizonte. Veem os aviões que cruzam o céu, as estrelas brilhantes no firmamento, contam constelações e observam as estrelas cadentes. Quando a noite se completa e o luar aparece iluminando tudo é uma beleza que lhes fazem sonhar!

        Um luar cor de prata que sai por detrás das arvores iluminando toda a terra e refletindo a beleza sinuosa da paisagem que forma figuras interessantes e as vezes até assustadoras.

        Além da represa os cães ladram contemplando o luar que surge por detrás de uma pequena elevação. Na certa pressentido a aproximação de algum animal noturno que pretende beber água ou talvez um simples gato de casa. Os gatos estão pra todo lado, são muitos por ali!

        É tarde, hora de dormir. Recolhem-se ao som do coaxar dos sapos que formam uma sinfonia atraindo a sua parceira ou afastando o seu rival.  Nesse concerto musical pegam no sono leve e suavemente.

        – Aqui há muitos sapos, sinto-me um pouco incomodada com eles!

        Pensa, Doninha, mas é vida que segue. Pela manhã, ela abre a janela e contempla a paisagem. Ela vê as árvores desfolhadas com seus galhos retorcidos. O capim seco e marrom de poeira, o horizonte queimado pela seca que começa no mês de agosto. Nesse lugar os meses de agosto, setembro e outubro são os mais causticantes. Tudo fica esturricado pelo sol ardente e pela falta de chuva, que só deve chegar ao final desse trimestre.

        É como é por essas bandas do Cerrado mato-grossense. O campo verde perde lugar para o marrom das folhas secas. Mas nem tudo é desolador. Há uma compensação, pois, é nesse período também que os Cega-machados ficam roxinhos em flor, as Cagaitas ficam branquinhas assim como as Sucupiras com suas variadas nuances: brancas, vermelhas e roxas pigmentam toda a flora. E, principalmente, o que dizer dos Ipês?! É nesse período que eles florescem e alegram com seus matizes todos os recantos: roxo, rosa, amarelo e por último o branco. É uma efusão de cores que abrandam qualquer secura.

        Já nos quintais quem dita o tom são os Cajueiros, as Laranjeiras e as Mangueiras entre outras frutas da época. É uma profusão de seca e de aromas de flor colorindo e perfumando todo o pomar.

        – É tudo muito lindo aqui pra se ver!

        Na Mata Verde a vegetação ainda está bem preservada. É fácil observar a vastidão de espécies que formam o cerrado mato-grossense. Por aqui ainda é possível encontrar cervos e outros pequenos animais que habitam esses campos. As araras azuis e vermelhas encantam com seu canto: corró, corró, corró … É uma grande algazarra nos pequizeiros e nas goiabeiras.

        – Há quem diga que até já viu onça por aqui!

        Não duvido. Por outro lado, na região de Pouso Alto que fica perto daqui o cerrado já não é o mesmo. As lavouras de soja tomaram conta de quase tudo. Pouco há o que se ver por ali da antiga beleza desse Bioma. Hodiernamente o que se vê por lá são longas pastagens para os animais de criação ou a vastidão do Ouro Verde do cerrado (soja).

        Não se pode dizer disso que é o fim do verde, mas com toda certeza a descaracterização da vegetação natural. Não sei se fico triste ou se bato palmas para tudo isso. O que sei é que na minha infância, quando ali nasci era outra a vegetação, era cerrado, mas lá era sertão virgem.

        – Naquela época tudo que se ouvia da cidade era por meio do radinho de pilha!

       Agora não, agora a televisão chegou, o telefone também e a internet todos tem acesso. O que dizer então?!

        – Sim, Pouso Alto está conectado ao mundo. É a evolução, é a transformação que ocorre com tudo.

        – Como poderia ser diferente com o cerrado?!

        Sei que temos que aceitar a evolução tecnológica, mas então por que só me sinto feliz ao ver nossa terra prometida bem preservada em sua vegetação natural?! Porque me sinto feliz de ver o seu Zé com sua enxada nas costas vindo de sua rocinha de toco cultivada com adubo orgânico, tudo ecologicamente equilibrado, como nos velhos tempos?! Que me sinto muito feliz quando vejo um animal nativo podendo caminhar livre por essa terra. Quando posso colher a fava da sucupira embaixo do seu pé?! Colher o Piqui, a Curriola, a Croadinha ou Gabiroba tão difícil de encontrar atualmente. E essas são apenas algumas entre tantas frutas doces e maravilhosas que o cerrado produz.

       – Será que para alimentar muitos precisamos sacrificar tudo, acabar com toda essa pluralidade de sabores que o cerrado nos fornece?!

        Ficaremos com essas para pensarmos…