Dona Ramira, comunidade de São Domingos- Cavalcante-GO
“Nasci e cresci aqui nestas terras não quero sair daqui, a cidade fica longe muito longe, as casas tem portão, esta casa era do meu avô e da minha avó com quem fui criada. Minha vó também fazia, minha vó era sabida, ela ensinava tudo pra nóis, Minha vó ensinou eu, aí peguei das minhas meninas já tem fia que já tem filho também fui eu que peguei”.
Todos os meninos aqui me chamam de mãe, peguei quase tudo, até os meus fui eu sozinha, só Deus e eu mais ninguém. Eu fazia os chás de cravo com folha de laranja, raiz de gervão, fazia o copo e deixava feito […] bebia de noite, aí eu bebia, bebia […] aí ia aumentando, aumentando quando dava a dor mesmo aumentada, eu Pá (som) […] fechava a porta ficava lá dentro sozinha. Deus e eu até o menino nascer. Eu nem gritava, não, eu tinha a criança as vezes custava despachar a placenta, aí eu chamava alguém, eu mesma cortava o imbigo. Quando eu sentava para ganhar os meninos já botava a tesoura, o novelo de linha tudo encostado […] (ela dá um sorriso), é minha fia só foi mais derradeiro, os primeiros tinha quem oiava pra mim também.
Às vezes a dor não quer aumentar, faz um chá de cravo com folha de laranjeira e dá pra beber aí esquenta a dor, aí aumenta a dor, aí aumenta a dor e quando tá sentindo muita dor assim […] toma chá de imburana, torra a vaginha de imburana e machuca faz o chá dá pra tomar, bonia é do brechio ela lastra assim no pau e dá vargem assim que nem banana cherosa, essa aí é boa para dor… uma vez vieram me chamar de madrugada , a lua já estava lá em cima, tinha outra parteira lá na casa, mas a mulher não tava despachando a placenta, daí eu fui, cheguei lá conversei com ela, fui no quintal peguei umas ervas, fiz massagem nas costas assim, e em seguida a mulher despacho a placenta e depois falei por que não tinham me chamado antes… (Sorrisos)”.
“Parto eu não dô conta pra você, eu já fiz mais de 100 (risos), me apego com Deus sempre que vô, quem manda é Deus, primeiramente Deus, toda a vez tem me ajudado, graças a Deus”.
Conversa com Dona Ramira, gravada em julho de 2013 por Marlini Dorneles de Lima.
Fonte: LIMA, Marlini Dorneles de. Entre raízes, corpos e fé: trajetórias de um processo de criação em busca de uma poética da alteridade. 2016. Tese (Doutorado em Artes) – Programa de Pós-Graduação em Arte da Universidade de Brasília, Brasília, 2016.