Procópia dos Santos Rosa

Filha de dona Maria e seu Manel, descendente de escravos, nascida na comunidade Kalunga Riachão, localizada à margem direita do Rio Paranã, na Chapada dos Veadeiros, no nordeste de Goiás, um lugar rodeado de serras e de difícil acesso, onde os negros fugitivos acabaram encontrando ali um lugar especial, bom de se morar e esconder, formando, assim, a comunidade kalunga, Dona Procópia dos Santos Rosa se destaca por sua força na luta em defesa de sua gente e de suas tradições.

Tudo o que ela sabe aprendeu com seus antepassados, que souberam se esconder muito bem dos brancos, mas ela conseguiu se sobressair, mantendo suas tradições e crenças. Ela não estudou, por isso não sabe ler e nem escrever, mas, em 2005, foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz, pela luta em prol dos territórios e dos direitos dos kalungas. ““Não sei ler. Não sei nada de escola. Falar o que eu sinto é o que eu sei. Esse é meu estudo.”comentou Dona Procópia na época.

Esse saber natural permitiu que ela se tornasse co-autora do livro – Iaiá Procópia: Memória e Resistência Kalunga – onde, mesmo não sabendo ler ou escrever, coloca suas narrativas com tamanha clareza que permite ao autor apenas passar para o papel suas escrevivências.

Kalunga significa lugar sagrado, de proteção. E é ali, em sua comunidade, que a matriarca Iaiá, como é chamada, dá aconselhamentos, puxa as rezas, fala sobre plantação e colheitas. De rezadeira a parteira, ela não sabe quantas crianças ajudou a colocar no mundo, mas garante que foram muitas. A experiência fez com os partos tivessem sucesso, graças a sabedoria, orações, chás e remédios caseiros.

A matriarca, que sempre contribuiu para manter as tradições orais, culturais e religiosas da memória kalunga, ensinava rezas e a dança da Sussa, nascida de tradições africanas, e que reflete toda a alegria desse povo. Com um ritmo marcado pelo som da viola, do pandeiro, da sanfona e da caixa (espécie de tambor), é uma tradição que envolve toda a comunidade através da música e da dança, caracterizada por giros em que as mulheres equilibram garrafas de cachaça sobre a cabeça

Na indicação ao prêmio Nobel da Paz, Dona Procópia fez parte de uma lista de 1 mil mulheres de todo o mundo, e, destas, apenas 52 eram brasileiras. A indicação dela foi anunciada de forma simultânea para 40 países.

Dona Procópia foi a única goiana convidada para o prêmio, ganhando destaque por conseguir impedir a construção de uma barragem, no Rio Paranã, que alagaria boa parte do território kalunga. Foi por causa daquela indicação em 2005 que ela conheceu São Paulo. Foi naquele mesmo ano que Dona Procópia conseguiu levar água e energia para o Riachão. A conquista veio quando ela estava com 72 anos de idade.

Dona Procópia saiu pela primeira vez da comunidade Riachão para conhecer a cidade de Monte Alegre aos 50 anos de idade, aos 60 anos foi pela primeira vez à Goiânia lutar por melhorias na comunidade, reivindicando escola e energia, ao lado de uma amiga que já morreu.

“É uma mulher de saberes e fazeres”, afirmou a neta, Lourdes Fernandes de Sousa, de 37 anos, conhecida como Bia Kalunga. Segundo a neta, a avó é uma guerreira que não se rendeu às dificuldades. “Ela lutou e brigou tanto por nosso povo. Ela trouxe água, energia e escola para a comunidade. E ainda enfrentou e mostrou para todos nós que é capaz de superar, sempre”, revelou a neta. A escola chegou antes, em 1990.

Mãe de dois filhos, dona Procópia tem 12 netos, uns 48 bisnetos, 10 tataranetos, e mora sozinha. O marido morreu em 2010, depois de 57 anos de casados. “Não dá pra contar os bisnetos, mas é mais ou menos isso”, disse Bia.

Mesmo com dificuldades para andar e problemas na audição, por causa da idade, ela sabe da sua importância. “Quero mandar uma mensagem para as mulheres do Brasil todo. Para terem coragem, lutar, saúde para terem tudo o que elas desejarem, mas confiarem em Deus acima de tudo”. Ressalta a matriarca Iaiá.

Suas lutas são, até hoje, referência para a comunidade do Riachão que tem 68 famílias, sendo que em cada uma há uma média de cinco, seis, sete e oito pessoas, sendo a principal dessas lutas manter os costumes e tradições de seu povo.

Foi pensando nisso que a neta Bia é a atual administradora-geral do Museu Vivo Dona Procópia, um local com uma história pessoal e de seu povo. “É um local guardião da nossa cultura, da nossa história e foi idealizado por ela”, contou.

Bia é licenciada em Educação do Campo pela Universidade de Brasília (UNB), especialista em Língua Portuguesa Aplicada, poeta, escritora e professora na escola da comunidade.  “Não sei descrever meu sentimento. Cresci aprendendo com minha avó. É uma mulher que só trouxe conhecimento e ajuda para seu povo. Ela orienta, aconselha e acolhe. Ela sempre lutou pela paz e dignidade”, frisou, ao falar o que aprendeu com Iaiá (dona Procópia). O legado da matriarca é grande. Segundo Bia, todo o conhecimento da avó foi a base da necessidade, tanto dela quanto da coletividade.

Em relação ao Museu, o conselheiro da UEG, Marconi Burum, aponta que “O saber tradicional (que é o que dona Procópia passa para as pessoas, inclusive aos visitantes do Brasil e do mundo que vão conhecer o Museu Iaiá Procópia) não concorre com o saber científico. São saberes complementares. E esse saber de Procópia que tem mobilizado as pessoas de vários lugares e instituições a respeitarem o povo quilombola.” finaliza.

Fonte: https://ovetor.com.br/raizes-do-quilombo-reitoria-da-ueg-analisa-concessao-de-titulo-de-doutora-honoris-causa-para-dona-procopia-dos-santos-rosa/?fbclid=IwAR3cmgO1yUUx-ZdTG_fBUq-qe94u8wRwleQDXKNUOWASaKK2qhAhID8tpCE

Ela foi parteira, rezadeira, ‘dançadeira’ de súcia (dança típica da comunidade) e forte defensora do território quilombola quando houve ameaça de construção de uma usina hidrelétrica que poderia inundar a região. Com 91 anos, a líder tem dois filhos, 12 netos, 70 bisnetos e 15 tataranetos. 

Em 2005, Procópia foi uma das 52 brasileiras indicadas ao Prêmio Nobel da Paz, escolhidas por um comitê internacional, com sede na Suíça, composto por organizações não-governamentais feministas e de direitos humanos, para integrar o Projeto Mil Mulheres, apresentado à Organização das Nações Unidas (ONU).

Entrega do Título de Doutora Honoris Causa à senhora Procópia dos Santos Rosa 

O Conselho Superior Universitário da Universidade Estadual de Goiás (CSU|UEG) se reúne nesta quarta-feira, 7 de dezembro, a partir das 15h30, para a realização de sua 144ª sessão plenária.

Durante sessão solene será realizada a concessão do título de Doutora Honoris Causa à senhora Procópia dos Santos Rosa, por sua notória atuação na defesa do meio ambiente, na luta pelo reconhecimento do território Kalunga e promoção da paz entre os povos.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Dg6DOOEanF8

 

Museu Iaiá Procópia

Referências:

BANDEIRA, Maria Lourdes; MIREYA, Suárez. LETRAMENTO E HISTÓRIA DE VIDA: AS MEMÓRIAS DE PROCÓPIA DOS SANTOS ROSA DA COMUNIDADE KALUNGA-RIACHÃO MONTE ALEGRE – GO. Universidade de Brasília – UnB: Brasília, 2014. Disponível em: 2014_LourdesFernandesDeSouza.pdf (unb.br)

GIRARDI, Giovana. A matemática que vem do quilombo. Revista Unesp Ciência: São Paulo, 2012. Disponível em: Violência, corpo e sexualidade: um balanço da produção acadêmica no campo de estudos feministas, gênero e raça/cor/etnia | Revista Brasileira de Sociologia – RBS (sbsociologia.com.br)

MUNIZ, Izadora Nogueira dos Santos; SIQUEIRA, José do Carmo Alves. PROTAGONISMO FEMININO NO PROCESSO DE RECONHECIMENTO E TITULAÇÃO DA COMUNIDADE QUILOMBOLA KALUNGA Revista Videre: Brasília: 2021. Disponível em: Protagonismo feminino no processo de reconhecimento e titulação da comunidade quilombola Kalunga | Revista Videre (ufgd.edu.br)

OLIVEIRA, Rosy de. O BARULHO DA TERRA Nem Kalunga nem camponeses. Universidade Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: Microsoft Word – tese completa 18 de junho de 2008_1_.doc (columbia.edu)

Silva, Sonilda Aparecida de Fátima. Educação e empoderamento: histórias de resistência de mulheres kalunga. Pontifícia Universidade Católica  de Goiás, Escola de Formação de Professores e Humanidades, Goiânia, 2021. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://tede2.pucgoias.edu.br/bitstream/tede/4710/2/Sonilda%20Aparecida%20de%20F%C3%A1tima%20Silva.pdf 

SILVEIRA, Elaine Machado; VELOSO, Elaina Oliveira. EDUCAÇÃO PROFISSIONAL A DISTÂNCIA: UMA REALIDADE NA COMUNIDADE KALUNGA EM GOIÁS. Associação Brasileira de Educação a Distância – ABED: Goiânia, 2018. Disponível em: www.abed.org.br/congresso2018/anais/trabalhos/170.pdf

SOUZA, Lourdes Fernandes de. Letramento e história de vida: as memórias de Procópia dos Santos Rosa da comunidade Kalunga – Riachão Monte Alegre – GO. 2014. 63 f. il. Monografia (Licenciatura em Educação do Campo) – Universidade de Brasília, Planaltina-DF, 2014. Disponível em: http://jbb.ibict.br//handle/1/1105

  • Sites:

LOPES, Arianne. A história de uma goiana indicada ao Prêmio Nobel da Paz; parteira e kalunga que nunca desistiu de lutar em prol de sua comunidade. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – TJGO: Goiânia, 2021. Disponível em: Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – A história de uma goiana indicada ao Prêmio Nobel da Paz; parteira e kalunga que nunca desistiu de lutar em prol de sua comunidade (tjgo.jus.br).

MIRANDA, Dinomar. UEG concede o título de Dra. Honoris Causa a Dona Procópia dos Santos Rosa. Blog Dinomar Miranda: Brasília, 2022. Disponível em: UEG concede o título de Dra. Honoris Causa a Dona Procópia dos Santos Rosa – Blog Dinomar Miranda

REDEH- Rede de Desenvolvimento Humano. Procópia dos Santos Rosa. Mulher 500 anos atrás dos panos. Rio de Janeiro. Disponível em: Procópia dos Santos Rosa ( 1933 – ) – Mulher 500 Anos Atrás dos Panos