Arquitetura Vernacular Timbira

LEMOS, Celina Borges. “Timbira (Goiás, Mato Grosso)”. In: OLIVER, Paul (edit). Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World. Cambridge – UK: Cambridge University Press, 1997, p. 1.635-1.636.

Eixos de análise abordados: 

Saberes tradicionais e espaço arquitetônico

Território e etnicidade

Resumo : 

A arquitetura tradicional dos Timbira, cujos grupos se localizam em Goiás e Mato Grosso, não difere muito daquelas de outras etnias indígenas. A habitação tem planta retangular e telhado com quatro inclinações, com duas portas nos lados maiores do retângulo, sendo a entrada principal voltada para o pátio central da aldeia. A casa tem estrutura de madeira, é coberta com palha e não há divisões internas. Alguns grupos Timbira também constroem outros tipos de habitação, influenciadas pela arquitetura vernacular rural, em adobe ou “barro”, cobertas com palha, sem divisões internas, mas com uma varanda na frente que é utilizada para cozinhar. Dentro há um jirau que serve de apoio, estante, mesa e outros usos, e o chão é coberto com esteiras. As habitações Timbiras são destinadas a famílias nucleares, que constituem a unidade social produtiva e de consumo, mas podem abrigar as famílias de filhas casadas. O assentamento ou aldeia Timbira é circular, com pátio central ligado às habitações por caminhos privativos. As casas formam o círculo mais externo e, atrás delas, há um outro caminho circular. O centro do círculo é um espaço público, político e simbólico, além de destinado a rituais e cerimônias. A expansão do assentamento somente é possível com a ampliação do círculo, pois representa a estrutura social desse povo e somente através da sua localização, seres humanos e objetos podem ser classificados. O controle da cosmologia também se dá por meio de um centro universal que está simbolizado pelo centro da aldeia. O verbete não contém fotos ou ilustrações. 

Palavras-Chaves: 

Arquitetura popularArquitetura vernacularArquitetura indígenaArquitetura TimbiraTimbiraGoiásMato GrossoBrasil

Pesquisador Responsável: 

Marcia Sant’Anna

LADEIRA, Maria Elisa. “Uma Aldeia Timbira”. In: NOVAES, Sylvia Caiuby (Org.). Habitações indígenas. São Paulo: Nobel; Edusp, 1983, p. 11-32. 

Eixos de análise abordados: 

Saberes tradicionais e espaço arquitetônico

Território e etnicidade

Resumo : 

A aldeia é elemento fundamental da identidade dos grupos Timbira. De formato circular, está intimamente ligada à sua organização social e seu espaço é determinado pelo modo como as pessoas se movimentam e se relacionam. As categorias espaciais permitem analisar as posições, os deslocamentos e perceber como estes orientam as relações sociais e como essa sociedade se articula. Localizados no cerrado do Maranhão e de Goiás, os Timbira geralmente constroem suas aldeias em lugares planos, em solo não pedregoso e perto da água, onde pode haver roçado. Quando o solo se esgota, a aldeia é reconstruída, próxima a alguma mata ciliar. Isso começou a mudar quando a FUNAI, ao construir escolas, enfermarias etc., obrigou as aldeias a se fixarem num mesmo lugar. As casas Timbira geralmente possuem planta retangular, com um dos lados maiores formando a sua frente e telhado de quatro águas, feito com folhas de babaçu ou inajá. Este mesmo material, com as folhas aplicadas em posição horizontal, constitui as paredes e toda a amarração é feita com cipó. A casa é fechada nos quatro lados, com a porta sempre no lado maior e voltada para o pátio. Na parede do fundo uma porta paralela à principal dá acesso ao “quintal”. Em algumas aldeias, as casas têm coberturas de duas águas, em folhas de piaçava, e porta ao lado do esteio da cumeeira. Atualmente, os Timbira erguem suas edificações em taipa ou até mesmo em adobe. Algumas possuem paredes internas, mas, geralmente, não têm divisões. Um “puxadinho” coberto de palha atrás dessas casas também serve de cozinha, sendo aí onde se passa a maior parte do tempo. No interior, encontram-se jiraus forrados com esteiras de embira ou buriti ou mesmo com cobertas nas noites frias. O jirau não serve somente para dormir, é também banco, mesa ou prateleira. Compõem ainda o interior, cabaças, potes de barro, bancos e toras de buriti para sentar. O círculo das aldeais é formado pelas casas que formam também o pátio denominado de centro da aldeia – local masculino onde se resolvem os conflitos e problemas. Cada casa tem o seu caminho radial para o pátio, o que significa que todas têm o mesmo peso social e que estão relacionadas da mesma maneira com as decisões políticas e religiosas. No círculo externo às casas – a “periferia” – são executadas as tarefas de produção, sendo esta a zona feminina por excelência. Cada casa é uma unidade demarcada que abriga a família elementar e o grupo doméstico, com cada um possuindo seu local de dormir e comer. Sua equidistância em relação ao pátio, assinala sua igualdade nas relações de produção, sendo o gênero o único tipo de distinção. Há duas maneiras de se deslocar na aldeia: atravessando o centro ou percorrendo o seu perímetro. As relações sociais são divididas em parentes e não parentes, e uma família levanta sua casa apenas quando se torna uma unidade produtiva independente. O termo em português que designa o segmento residencial é “rua” ou lugar onde se pode circular livremente. As aldeias Timbira não manifestam nenhuma hierarquia espacial e o seu “concentrismo” revela uma estrutura social em que os homens (pátio) e mulheres (periferia) se complementam e formam a aldeia.

Palavras-Chaves: 

Arquitetura popularArquitetura vernacularArquitetura indígenaArquitetura TimbiraTimbiraGoiásMato GrossoBrasil

Timbira

Iõhe: 


Iõhe saiu para a caçada. Tinha ido à casa de sua irmã e não recebera nada. Sua esposa comentou: “Nem parente teu tem coragem de te dar um pedacinho de carne!” “É, mas eu vou caçar.” De madrugada saiu. Falou à mulher: “Eu vou neste caminho; chegando lá no carrasco (tipo de vegetação), bem no pé de sucupira, eu ponho minha comida e saio. Se encontrar uma caça, eu pego, e volto para pegar minha comida, e volto.” Pendurou o alimento e entrou no mato. Viu um mutum e matou. Mais adiante viu muitos guaribas. Flechou um, que morreu lá em cima; flechou outro e aconteceu a mesma coisa; flechou outro, e a mesma coisa. “Ora, mas por que?” Botou o arco o chão, dependurou o khëiré (machado de pedra semilunar) e subiu. Quando já estava bem no meio do pau, chegaram os kokham’khiere, uma outra nação. Talvez sejam os carajás, porque se diz que os carajás sabem mergulhar. Mandaram Iõhe descer. Iõhe desceu e queria correr, mas os kokham’khiere o pegaram. Perguntaram-lhe o nome e ele disse. Mandaram-no subir e ele subiu e tirou todos os guaribas. Os kokham’khiere pegaram os guaribas. Iõhe acompanhou os kokham’khiere para a aldeia deles. E foram fazendo acampamentos pelo caminho.  


Depois de três dias, o irmão veio perguntar por ele à mulher. Ela disse: “Ele foi fazer uma caçada naquele carrasco, mas por onde foi tapou a estrada.” Aí o irmão saiu de madrugada e chegou onde estava a comida de Iõhe. Era no verão; ainda havia rastro. Chegou lá, viu trilhado (rastro de muita gente) debaixo da árvore. Continuou a rastejar e viu rastro de Iõhe bem no meio do dos kokham’khiere. Chegou ao acampamento e viu rastro e aí voltou para a aldeia, onde contou a história. Avisou à irmã. A irmã convidou os homens. Fizeram comida e saíram no mesmo dia. Foram no trilhado (rastro) de Iõhe. E dormiram aí onde os kokham’khiere o tinham pegado. Foi a metade da aldeia procurar Iõhe. Bem cedo saiu o irmão de Iõhe e encontrou o lugar do rancho. O irmão de Iõhe ia sempre na frente e voltava para avisar ao povo, atrás. Encontrou dois lugares de dormida. Depois encontrou dormida com fogo aceso. Estavam perto.  


Os kokham’khiere chegaram à beira de um rio grande, nela arranchando. O portador dos kokham’khiere já fora avisar aos outros (que estavam na aldeia deles) para virem, para matarem Iõhe e irem embora. Quando o portador saiu, o irmão de Iõhe se aproximou. Iõhe cantava e fazia sinal de que os kokham’khiere estavam todos dormindo. Fez sinal para os cercarem. O irmão voltou e encontrou o pessoal a uma distância de uns seis quilômetros; avisou a eles e voltou. Olhou para Iõhe e este fez sinal para vir logo. Quando chegaram perto, dividiram-se em grupos para cercar. O chefe dos kokham’khiere estava com khëiré no braço. Iõhe pegou o khëiré e o chefe viu: “Iõhe pegou o khëiré; eu quero que ele cante muito; eu estou com sono.” Iõhe respondeu: “É, eu estou assim solto, eu estou maneiro (leve), eu quero pegar khëiré para cantar pesado.” O chefe dos kokham’khiere tornou a dormir logo. Iõhe deu na testa do chefe com o khëire mesmo. O pessoal matou todos os kokham’khiere. Só um escapuliu. Alguém lhe bateu na perna, mas ele mergulhou e foi embora.  


No fim havia carne de caça e de gente. Iõhe resolveu pegar carne de caça. Pegou carne de veado, ema, anta e deu para o povo. Aí, acabaram de comer e retornaram. Viajaram dois dias e chegaram. O pessoal falou para Iõhe: “Agora nós queremos sua irmã, para conversar com ela.” Era moça ainda. Iõhe foi pegar a irmã dele pelo braço e trouxe. Fizeram roda, taparam de toras e todo o mundo copulou com a moça. Era o pagamento da viagem. Antigamente era assim.  


Fonte:

MELATTI, J. Mito e história. UnB-ICS-DAN, 2001. p. 3-4. 



Katamrik: 


O pessoal de uma aldeia saiu caçando. E fazia acampamentos durante o percurso. Fizeram um último acampamento antes de retornar à aldeia. Dali deveriam partir em direção à mesma, correndo com toras. Os caçadores combinaram comer com seus ikhïonõ no pátio do acampamento. Katamrik foi buscar um pedaço de carne na cabana de sua irmã. Ela respondeu que não podia dar, pois já tinha destinado todos os pedaços para os ikritxua dele e não sobrara nenhum. Katamrik zangou-se. Foi para o pátio, mas não aceitou comer junto com o seu ikhïonõ, embora este insistisse. Katamrik dizia que ele comeria carne de seu ikhïonõ, mas este nada comeria dele.  

Katamrik negou-se a ir para a aldeia com os outros e mandou chamar seu nominador (logo, também chamado Katamrik). Este veio e lhe trouxe alimento. Quando Katamrik lhe disse que não pretendia mais voltar à aldeia, mas sair numa direção qualquer, o nominador prontificou-se em acompanhá-lo. E saíram. Andaram. Encontraram então um rapaz de uma outra aldeia junto das toras com que iam fazer corrida. Quando disseram o seu nome, o rapaz respondeu que Katamrik também era o nome de seu pai. Por isso, eles foram levados para a casa de Katamrik. Este guardou-os em casa.  


O pessoal da aldeia queria matar os dois estranhos. Com o fito de matálos, convidaram-nos para jogar flechas, mas o anfitrião lhes disse que os visitantes estavam cansados da viagem. Convidaram nos para cantar. Como aquele que veio convidar era hõpin de Katamrik, o anfitrião, este consentiu. E assim os dois visitantes Katamrik foram mortos. Katamrik, o anfitrião, ficou zangado. Não recebeu seus genros em casa, uma vez que estes não tinham evitado o assassinato. Parece que saiu para a roça e de lá mesmo foi com seu filho para a aldeia dos Katamrik assassinados. Trouxe o pessoal dessa aldeia para atacar sua própria aldeia, que destruiu. E ficou morando com seu filho na aldeia daqueles dois Katamrik que morreram.  


Fonte:

MELATTI, J. Mito e história. UnB-ICS-DAN, 2001. p. 5.