Paleoecologia do Cerrado

A Paleoecologia é a ciência que, através da Palinologia, estuda a deposição polínica ao longo do tempo geológico, reconstruindo ambientes pretéritos por meio do pólen das Angiospermas e Gimnospermas e esporos fósseis das Pteridófitas, permitindo a caracterização das variações da vegetação e consequentemente do clima do passado (SALGADO-LABOURIAU, 1973; CASSINO, 2014).

“A origem e o desenvolvimento da área “core” de cerrado nos baixos chapadões da Amazônia está vinculado à ocorrência de climas mais secos, que favoreceram a permanência do cerrado nos platôs e da caatinga nas depressões. Este tipo de formação vegetal, que ainda no Pleistoceno Superior ocorria na região amazônica, não surgiu por expansão ou difusão de outras áreas nucleares, mas sim, possivelmente, através de um banco genético que desenvolveu e aperfeiçoou formas que deram origem à vegetação típica de ambientes de cerrado.

O final do Pleistoceno e início do Holoceno (11.000 a 10.000 anos) é marcado pela retração das correntes frias para a posição atual. O afastamento climático favoreceu o aumento da umidificação pelo interior do continente. Esses eventos associados a outros fatores naturais contribuíram para a colonização das antigas ilhas de mata sobre os cerrados e caatingas existentes nos baixos chapadões da Amazônia. Esse período influenciou também no adensamento das caatingas, transformando em formações umbrófilas. Os cerrados dos chapadões centrais do planalto brasileiro expandiram sobre as áreas que se encontram em seu entorno, estabelecendo os seus limites atuais, assim como os demais domínios naturais da América do Sul ordenaram os seus espaços” (AB’SABER,1973).

O Cerrado é um dos mais antigos sistemas biogeográficos e que evoluiu durante a história recente do planeta, há pelo menos 65 milhões de anos, numa Era Geológica denominada Cenozóica. Os processos iniciais da história evolutiva do cerrado começaram no início dessa era e se concretizou neste ambiente biofísico específico nos chapadões centrais da América do Sul por volta de 40 a 45 milhões de anos antes do presente (NEVES; CORDANI, 1991; LAUX et al., 2005; BARBOSA, 2019). Por isto, o cerrado como um todo é um ambiente especializado que já atingiu seu clímax evolutivo, ou seja, uma vez degradado não mais se recupera na plenitude de sua biodiversidade.

“Os estudos arqueológicos apontam que durante o Holoceno a paisagem e o clima dos chapadões centrais do Brasil eram semelhantes aos padrões atuais, apresentando uma fitofisionomia típica do que atualmente consideramos como sendo o bioma Cerrado, com o mesmo padrão climático tropical sazonal” (BARBOSA, 2002).

 

Referência bibliográfica:

  • AB’SÁBER, Aziz Nacib. A organização natural das paisagens inter e subtropicais brasileiras. In: FERRI, Mário G. (coord.) 3o  Simpósio sobre o cerrado. São Paulo: Edgar Blücher/EDUSP, 1973. 14p. Disponível em: https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/wp-content/uploads/sites/233/2012/03/21_1-2_4.pdf

  • BARBOSA, Altair Sales. Andarilhos da claridade: os primeiros habitantes do Cerrado. Goiânia: UCG, Intituto do Trópico Subúmido, 2002. 

    BARBOSA, Altair Sales. O livro da terra. Goiânia: Kelps, 2019. 

    LAUX, J. H.; PIMENTEL, M. M.; DANTAS, E. L.; ARMSTRONG, R.; JUNGES, S. L.; Two Neoproterozoic crustal accretion events in the Brasília Belt, central Brazil. Journal of South American Earth Sciences, 18, p. 183-198, 2005.

  • NEVES, B. B.N., CORDANI, U.G. Tectonic evolution of South America during the late Proterozoic. Precambrian Research, 53, p. 23-40, 1991

Como já foi dito na introdução de Paleoecologia é necessário entender o que vem depois do sufixo “paleo” e com o Paleoambiente não é diferente. Paleoambiente é o ramo da paleontologia que estuda os ambientes em um passado geológico; Alguns milhares de anos para a geologia é como alguns segundos para nós seres humanos. Como é possível saber qual era o ambiente de determinada região? As rochas são para os geólogos, o mesmo que os livros são para os historiadores. Mas como uma rocha pode contar a história de determinado local? As rochas utilizadas na identificação de determinado paleoambiente são as sedimentares que por sua vez são compostas por grãos. Esses grãos variam desde uma granulometria muito fina (argila) até os matacões com muitos centímetros de diâmetro. Um lugar onde tem predominância de argilitos e siltitos (rochas de argila e silte) é sinal de que esses grãos foram depositados em um lugar com baixa energia como um lago, um mangue, um pântano ou até o mar (depende da profundidade). Existem várias bacias sedimentares (deposição de sedimentos), no caso de Goiás existe o Grupo Paranoá que data do mesoproterozoico (1,5 bilhão de ano). A presença de ardósia, que é rocha metamórfica proveniente do argilito, indica uma calmaria nesse período e sugere que a região já esteve de baixo do mar (cerca de 200 metros), ou seja, GOIÁS JÁ FOI MAR!

Como já foi dito, diferentes granulometrias indicam diferentes ambientes e climas. Em um estudo feito por Barberi et al. (2000) foi verificado que “no perfil sedimentar de uma vereda localizada no platô de Águas Emendadas (DF) houve um hiato na sedimentação entre 21.400 (~25.600 anos cal AP) e 7.300 anos AP (~8.060 anos cal AP), sendo a camada orgânica substituída por uma fina camada de areia e silte. Durante este intervalo, a concentração de palinomorfos do registro palinológico alcançou os menores valores ao longo de todo o perfil, sugerindo que as condições climáticas eram mais secas que as atuais ocasionando a desertificação do platô. A vegetação na região era menos densa sob a influência de um clima provavelmente semiárido”.


Referência bibliográfica:

  • BARBIERI, Maira. Mudanças paleoambientais na região dos cerrados do Planalto Central durante o Quaternário tardio: o estudo da Lagoa Bonita, DF. Tese (Doutorado em Geologia Sedimentar) – Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001

O paleoclima está intimamente relacionado ao paleoambiente, uma vez que o clima é uma característica de um ambiente. Como foi dito no tópico anterior, é possível saber qual era o ambiente que existia no local há alguns milhares ou milhões de anos. Como é possível saber qual era o clima de alguns milhares ou milhões de anos? Assim como hoje, cada bioma tem seus respectivos tipos de plantas que se adaptam ao clima local. Então a melhor maneira de se determinar um paleoclima é observar e analisar o registro fóssil de plantas. Isso envolve desde analisar a própria planta em si como também estudar os grãos de pólen e esporos fossilizados, que são estudados pela palinologia. Esses registros fósseis dizem muito sobre o clima de determinada região:

No Cerrado é possível observar algumas mudanças ao longo de alguns milhares de anos. Um estudo feito por Ferraz-Vicentini & Salgado-Labouriau (1996) afirma que “na vereda de Cromínia (GO) no período compreendido entre 18.500 (~20.400 idade interpolada) e 11.300 anos AP (~10.400 idade interpolada) houve uma diminuição na concentração da maioria dos palinomorfos e o pequeno corpo lacustre anteriormente formado foi substituído por um pântano circundado por poáceas. A ausência de grãos de pólen de Mauritia, o predomínio de grãos de pólen de elementos herbáceos como Poaceae, Asteraceae e Cyperaceae, além da diminuição da maioria dos palinomorfos sugerem que no local havia uma vegetação com pouca diversidade de espécies, influenciada por condições climáticas mais secas que as atuais, semelhante e/ou comparável às descritas para regiões de clima semi-árido”.

“O final do Pleistoceno, caracterizado pelo fim do último período glacial, é marcado por grandes mudanças climáticas em nível global. O impacto desta última glaciação e das mudanças relacionadas ao início do período interglacial (o Holoceno) na vegetação e na paisagem dos biomas brasileiros ainda é pouco conhecido. Estudos palinológicos de sedimentos quaternários constituem uma das mais importantes ferramentas utilizadas para a reconstituição da paleo-vegetação e são, portanto, de grande valia para o entendimento dos padrões climáticos que atuaram no Brasil neste período.  

Correlacionando os dados obtidos neste trabalho com os resultados obtidos em outros registros fósseis do cerrado é possível afirmar que a transição climática constatada que ocorreu no final Pleistoceno – início do Holoceno não ocorreu de forma uniforme em todas as localidades de ocorrência do cerrado. Observa-se a instalação de microclimas, que possivelmente estão associados a altitude e condições de umidade local. O que de fato pode-se afirmar é que em um curto intervalo de tempo, em torno de 2.000 anos, foram observadas variações na umidade que influenciaram muito as mudanças climáticas e a evolução da vegetação e a formação de brejos, turfeiras e veredas” (PESSOA, 2017)

 

Referências bibliográficas:

  • PESSOA, Luana Koscky Gangana. Paleo-vegetação e paleo-clima do final do Pleistoceno no Cerrado do norte de Minas Gerais, Brasil. 2017. 81 f. Monografia. (Graduação em Engenharia Geológica) – Escola de Minas, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2017. Disponível em http://www.monografias.ufop.br/handle/35400000/1276 

É o ramo da Paleontologia que lida com a distribuição de grupos de organismos representados exclusivamente por fósseis. A base conceitual é derivada da Biogeografia Histórica que, por sua vez, é a ciência que busca reconstruir os padrões de distribuição geográfica dos seres vivos e explicá-los segundo processos históricos subjacentes. (LAPA, 2020)

“Restos de fósseis de Eremotherium e de Stegomastodon  foram coletados nas escavações das obras de reforma e canalização no córrego Botafogo, região central da cidade de Goiânia, e correspondem a elementos bastante fragmentados. Eles foram identificados por Cástor Cartelle, do Museu de Ciências Naturais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, onde se encontram atualmente depositados” (PAULO & BERTINI, 2015).

Como e por que animais tão grandes habitavam a região dos cerrados? De acordo com DE VIVO & CARMIGNOTTO (2008) “A presença desses animais imensos sugere que o Cerrado possa ter apresentado vegetação mais aberta do que nos dias atuais, em decorrência das variações de temperatura e umidade que caracterizaram esta época. Os ambientes sob influência de condições mais secas e frias, mesmo com sazonalidade marcante, associado à vegetação esparsa e mais aberta, poderiam permitir a existência de animais de grande porte, em oposição aos mais arborizados” 

Restos de fragmentos de úmeros de Eremotherium da região de Jaupaci-GO, datados pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP) exibiam evidências de carbonização, atestando que o fogo é um elemento importante na história evolutiva do bioma Cerrado, pelo menos desde 15.700 anos AP (antes do presente), além de confirmar a presença de condições secas, propícias para a ocorrência natural deste fenômeno. Esta evidência constitui, portanto, o primeiro registro da ação do fogo de origem natural no Cerrado da região de Jaupaci durante o Neo-Pleistoceno (PAULO, Pedro Oliveira, 2014).


Referências bibliográficas: 

  • PAULO, Pedro Oliveira; BERTINI, Reinaldo José. Mamíferos fósseis do limite Pleistoceno/holoceno do estado de Goiás. Revista do Instituto Geológico, São Paulo, v. 36, n. 2, p. 61-75, jan. 2015. Instituto Geológico. http://dx.doi.org/10.5935/0100-929x.20150008. Disponível em: ppegeo.igc.usp.br/index.php/rig/article/view/10022. Acesso em: 30 jun. 2020.

  • LAPA (Laboratório de paleontologia da Amazônia). Subdivisões  da paleontologia. Disponível em: ufrr.br/lapa/Subdivisoes_subdivisoes_da_paleontologia. Acesso em 16 de jul. de 2020.

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