“Joaquim Inácio da Mota, mais conhecido como Seu Joaquim ou ‘Momboca’ pelos amigos de longas datas, nasceu em 31 de maio de 1940, na zona rural de Alto Paraíso de Goiás. Casado há 47 anos com Maria Joana Lopes de Abreu, nascida em 26 de agosto 1948, na região de Boa Vista, também município de Alto Paraíso de Goiás, indo para São Jorge. Juntos, formam um belo casal de raizeiros que esbanja simpatia.
Seu Joaquim, assim como Dona Maria, sempre teve uma vida de muita labuta, como ele mesmo lembra: ‘nascemo os dente plantando mandioca’. O casal teve um início de muito trabalho nas lavouras da região. Seu Joaquim conta que ‘Primeiro, nóis foi morar num lugar que chama ‘Rodiador’, plantando arroz, depois no ‘Cava saco’, depois milho no ‘Matão’, trazendo no cargueiro, pra engordar porco. Óleo não tinha, asveis aparecia a granel, tirava no tambor aquele bichão sujo, comprado, ou era sebo de gado pra misturar nesse óleo pra cumê, ou então matava porco, quando matava porco ficava comendo gordura de porco tranquilo, muito tempo, e nóis, vivia assim…’.
Moraram em vários lugares, buscando uma melhora de vida, chegaram a morar na Fazenda Bona Espero, depois preferiram retornar para a antiga morada. Os anos se passaram e aos poucos o casal foi construindo sua pequena casinha, vendendo a colheita da roça que trazia no cargueiro. Seu Joaquim ficava cinco dias da semana longe e voltava sábado e domingo para casa, enquanto Dona Maria cuidava dos dois filhos. Foi vendendo dois sacos de feijão de 100 litros que conseguiu comprar a bicicleta que usa até hoje. Ambos já se aposentaram, mas seu Joaquim ainda trabalha na lavoura, sempre indo e voltando de bicicleta, de segunda a sexta ‘correndo na carreira’. Sexta frequentam o grupo de idosos. Aos domingos vão à missa.
Essa vitalidade que tem hoje aos 76 anos de idade lembra seu Joaquim ‘eu não tinha nos meus 15 anos de idade’.
Seu Joaquim, ou ‘Momboca’, como ele mesmo gosta e acha graça de ser chamado, diz que aprendeu das plantas um pouco aqui e ali, velame branco, sangue de cristo, caroba e puxa-puxa. Alguns benzimentos aprendeu com o tio que, segundo ele, era o maior benzedor da região do Vão de Colinas, Sirilo, que morreu há cerca de cinco anos. Seu Sirilo o ensinou a benzer de espinhela, arca caída, pra estancar sangue e hemorragia”.
“Seu Joaquim ensina que antes de todo benzimento, o benzedor tem que fazer uma oração, pedindo a Deus a força pra benzer, e a oração que ele faz é a seguinte: ‘Ó Senhor, quero que vós me dê força pra benzer. Faço o nome do Pai e benzo’. Em todos os benzimentos, Seu Joaquim repete a fala três vezes.
‘Pra sangue você tem que admirar treis veiz: ‘Virgem Nossa Senhora, tanto sangue! Virgem Nossa Senhora, tanto sangue! Virgem Nossa Senhora, tanto sangue!’ Aí fala as palavra: ‘Assim como o sangue do ventre de Maria parou, bem assim será esse sangue, vai parar agora’, fala trêis veiz também’. ‘Pra arca caída, com um pano ao redó da cintura, segurando com a mão direita na frente, amarrado frouxo, cada vez que fala, dá uma apertadinha e ergue um pouco a pessoa, você fala assim: ‘Quando Deus andava pelo mundo, levantando três parcela, arca, campainha e espinhela’. Mas antes de falar, faz o nome do pai e faz oração e pede a Deus primeiro. A arca dá uma dor no estômago, vomitadeira, dor de cabeça’ … a pessoa benzida não pode pegar peso naquele dia, nem abaixar a cabeça, ficar agachando’.
‘Cobreiro, se eu for benzer em qualquer um de vocês, voceis aprende o benzimento; eu pergunto: ‘o quê que eu corto’, aí vocês tem que falar pra mim, cobreiro brabo, aí eu falo, eu corto a cabeça e o rabo’, fala treis veis, que sara”. “Num pilão deitado, com um machado, faz o gesto como se tivesse cortando a cabeça e o rabo’.
’O benzimeno de engasgar: ‘estrela má, estrela rota, tira o mal dessa gota’, e dá um tapinha na garganta, a cada uma das veiz que fala, aí a gota sai do lugar ou então desce’.
A mãe de Seu Joaquim benzia ‘de garganta’, quando a pessoa estava engasgada, foi ela que o ensinou tal benzimento. Seu irmão benze de picada de cobra e aprendeu com o tio. Também se recorda de seu primo que era raizeiro e benzedor, Seu ‘João de Tiodora’, muito famoso na Vila de São Jorge. “Uma vez descobri que eu tava macumbado, eu fui lá e ele me benzeu, só que a macumba passou para ele. Ele mesmo benzeu ele e melhorou depois do banho de rio. Sabia quase todo o tipo de benzimento, fazia garrafada pras pessoa, não tinha remédio que ele não fazia. Ele me ensinou sobre o velame branco, sangue de cristo, caroba, essas coisa assim que ele me ensinou’.
Tanto para Dona Maria como Seu Joaquim, tem dia certo pra coletar e benzer. Pra eles, coletar planta e benzer não pode ser no sábado. Para arca caída, só pode ser ‘de cedo até meio dia’, pois segundo ele, ‘a medida que o sol vai levantando, a arca também vai, e depois que o sol vai abaixando, a arca cai também. Pra benzer no sábado não vale nada, mas se uma mulher tiver com hemorragia no sábado, a gente benze, depois vai benzendo otraveis e vai parando aos poucos, por que aí não pode esperar meio de semana senão ela morre’.
Dona Maria conta que ‘remédio dado não pode ferver, se não a planta morre tudo. Se a pessoa ferver lá na casa dela, a planta da gente morre aqui’.
’Mulher menstruada não pode soltar cabeça de alho, se não ela vai ter alguma coisa parecida com a cabeça de alho. Não pode soltar caroço de algodão, a barriga cresce, como se tivesse uma criança. Mulher menstruada não pode nem fazer remédio pra outra pessoa. Não pode saltar corda amarrada e nem cabeça de quiabo jogada no quintal, não pode pular bosta de cavalo, tem que ter muito cuidado pra andar, a mulher menstruada tem que ter cuidado’.
Seu Joaquim tem sua própria ciência. Para ele, o benzedor só deve benzer uma pessoa por dia, que é ‘pra não perder as forças’. Para arrancar planta pra remédio, ‘se deixar o buraco aberto, aquele remédio não vale nada pra pessoa que vai usar, tem que voltar e tampar o buraco’.
‘As doença de antigamente era mais diferente, hoje tem mais é câncer. O povo procurava mais era por causa de gripe, dor de cabeça, novidade no estômago e procurava pra gente que remédio que era bom e a gente falava’.
Dona Maria conta que quando era pequena, ficava reparando parentes mais velhos (mãe, avó e tias) ‘rancando remédio’ e ‘ia vendo pra quê que servia’. Conta que, por volta dos 14 anos, foi acometida de “maleita” (malária) e um primo junto com sua mãe arrancou a raiz de uma planta amarga conhecida como ‘kalunga’, amassaram e deram uma ‘copada’ de chá pra ela beber. Segundo Dona Maria, no outro dia já não sentia mais ‘aquela friagem danada’ que ela estava sentindo antes.
Preocupada, Dona Maria faz quase um apelo aos mais jovens; ‘é bom aprender né, porque os mais véi vai acabando, então os mais novo tem que ir aprendendo os remédio, por que uma hora precisa’.
Dona Maria se lembra das experiências ruins que ela e alguns de seus amigos já tiveram no hospital. ‘Uma vez quase amputaram meu pé, falando que era por causa da minha diabete que eu num sarava, mas quando eu fui em outro médico não era nada disso, era anemia e falta de circulação. Já pensô numa coisa dessas? Quase que eu fico sem um pé, se eu num temo com o povo do hospital’. Seu Joaquim logo rebate rindo:
‘No hospital só tem duas coisas boas: o carro para levar a gente e a ordem pra mode sair’.
Seu Joaquim conta do caso em que soube de dois idosos com pneumonia no bairro de cima, que já estavam desenganados pelos médicos. Então decidiu fazer o café da semente torrada da vinagreira e levar para eles tomarem. ‘Torrei, muí, levei lá pra eles. Eles fêis, usô duas veiz, curô que é uma beleza, tá vivo até hoje. Abaixo de Deus, quem curô foi a vinagreira’. ‘No hospital às vezes cê vai lá, eles dá uma injeção errada e a pessoa até morre’.
‘Chá de foia de vinagrera é uma beleza pra quando a pessoa tá tussindo, Joaquim toma direto. Ele usa pau pelado, que o povo fala que é bão pra câncer, laranja da terra cortada na água é bom pra vesícula e pro estômago’, diz Dona Maria.
O quintal de Maria & Joaquim é repleto de plantas que usam para curar: erva cidreira, vinagreira, pau pelado, laranja da terra, lágrima de nossa senhora, pinhão roxo, entre outras. ‘Todo dia eu uso erva cidreira pra baixá pressão, e só uso rapadura, porque açúcar tem muita composição, só uso rapadura’, diz Dona Maria, por causa da diabetes que adquiriu.
‘Tem muita planta que tá difícil: confrei, velame branco, tiborna… O confrei a gente pega a folha machucada com um pouquim de sal e põe em cima da pancada, é bão. Antes eu pegava muita planta, agora as vista tá ruim, por causa da diabete é perigoso machucá o pé, eu não saio mais pro mato não. A cabeça também já tá ficando ruim’.
‘Velame branco, sangue de cristo, tiborna, bureré, caroba, tudo eu punha na garrafada pra mim, agora não acha essas planta mais, só a coroba que ainda vê. O povo arrancou esses remédio aí tudo. Capinô, passô trator. Também tinha raizeiro que rancava tudo até pra vender pra longe, tirava todo dia, aí acaba com tudo, se num tivé cuidado’.
‘Tem planta que é machucada, outras é no álcool: imbé, sucupira, cravo-de-difunto, gengibre. Onde você tiver com uma dor no joelho, você passa a raiz de cravo-de-defunto no álcool, 7 dias curtindo, depois passa pra acabar com a dor’.
Procurada para dar remédio, mas também gosta doar mudas, pois como ela mesma diz: “hoje eu tenho, você não tem, se amanhã eu não tenho, eu sei para quem eu dei a muda, então eu sei onde eu vou buscar’”.
Fonte: Ribeiro, Daniela. et al. Raizeiros de Alto Paraíso : Saberes Ameaçados. Alto Paraíso de Goiás: Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás, SEDUCE, 2017. v. 1, p. 62-68.
Disponível em: https://youtu.be/g9ynNdIWXdM