“Abadia Selma Pereira Dutra Santos, nasceu no município de São João da Aliança-GO, em 18 de março de 1966. Mãe de 3 filhos, evangélica, é uma mulher de muita vitalidade, força e fé.

                Dona Abadia trouxe o interesse e o dom de trabalhar as plantas ‘no sangue’: ‘o meu vô, eu não cheguei a conhecer ele, sabe, mas a gente traz no sangue isso, não adianta dizer que não traz…da minha família toda só quem mais despertou o interesse de saber dos matos, das matas, e quer saber das plantas, e quer usar tudo, sou eu…’.

                No entanto Dona Abadia não se considera raizeira, mas sim, uma aprendiz: ‘o meu avô materno – Antônio Sobrinho, nascido na Fazenda Polônia, denominada João Paulo – ele era um raizeiro verdadeiro, porque eu não sou uma raizeira verdadeira, estou aprendendo, e cada dia eu aprendo um pouco mais, aprendo o que é bom e o que é ruim também, pra saber o que é ruim e o que é bom….quanto mais a gente aprende ainda é pouco…porque cada coisinha tem sua utilidade, seja para o que for. Esta é a maior benção que a gente recebe da natureza, só que a gente não dá valor, muitos dão, mas outros não dão. A natureza é a nossa mãe, que tanto nos ama e que tudo nos oferece e poucos a conhece’.

                Várias são as fontes de ampliação de seus conhecimentos a respeito do assunto: o curso de agente de saúde, livros, além de ouvir muito os mais velhos, de onde- segundo ela –‘é que vem a maior orientação’. Por volta de 1989, se formou Agente de Saúde em Alto Paraíso de Goiás, foi quando entrou efetivamente para esta área. Ali, aprendeu, entre tantos outros cuidados e prevenções, sobre os primeiros socorros no parto e sobre plantas medicinais. No período em que trabalhou como agente, cuidava de 54 famílias no entorno da Cidade da Fraternidade, visitando a cavalo as residências para ver a condição de saúde de seus moradores. Muitas vezes se deparava com pessoas

doentes e sozinhas, então prestava os cuidados necessários. Desde então não parou de aprender sobre as plantas com propriedades medicinais e declara a vontade de descobrir como cada espécie pode ser utilizada com finalidades terapêuticas.

                Cuidadosa, ela coloca ‘um remedinho’ aqui e ali na rotina de sua família, em meio as refeições e afazeres diários. Toma a ‘garrafada da mulher’, que ela mesma faz, uma vez por ano, desde que teve sua primeira filha, e a esse hábito atribui só ter sentido os sintomas da menopausa durante 3 meses.

                Dona Abadia nos revela um pouco sobre a forma de proceder em relação as plantas que utiliza. Segundo ela, primeiramente, ouve com atenção o que a pessoa a relata que está sentindo, então ela procura observar os seus conhecimentos adquiridos, depois pede a Deus que a oriente, daí então, faz o que está ao seu alcance para ajudar aquela pessoa.

                Ela e o esposo são lavradores: lidam com a terra cultivando alimentos e criando animais que consomem e comercializam. Seu queijo é famoso na região e muita fartura de frutas, verduras e plantas medicinais pode ser encontrada na Fazenda Cachoeirinha, onde cuida em especial do seu abundante quintal e das matas da propriedade. Não utiliza agrotóxicos para que ali as espécies necessárias para confecção do xarope caseiro possam se desenvolver. Alimenta e trata de suas galinhas somente com os produtos da roça e os remédios naturais; conta a bem sucedida experiência de cultivar batata, alface, agrião e outras plantas de horta na borda do tanque de peixe, aproveitando seus nutrientes.

                Dona Abadia questiona o efeito à saúde do excesso de ‘remédios’ aplicados na vaca, que vai para o leite, para o queijo e não fazem bem ao organismo. Cita que há ‘remédios certos’ para o gado leiteiro e para o gado de corte. Acha muito importante os cuidados que se deve dedicar à Mãe Natureza, como evitar barulhos nas beiras das matas e nas beiras dos rios onde se encontram animais que ‘precisam de paz’. Almeja incentivos governamentais a favor dos ‘remédios certos para os lavouristas usarem’.

                Dona Abadia é muito lembrada na comunidade pela produção de seus xaropes. Algumas plantas ela busca no Cerrado, outras no quintal. Trabalhadora, ela mesma retira o mel de abelha europa, extrai o óleo da copaíba e produz o óleo do coco xodó”.

                ‘Faço o xarope com amor e alegria em meu coração, pedindo a Deus que esse xarope sirva para a criança, para o adulto, para o idoso… O que faz valer o remédio é o amor… A presença de Deus está em tudo que a gente faz, ela está na luz de cada dia que o sol resplandece. A gente tem que saber que os olhos de Deus estão ali. Os rios representam os braços de Deus estendidos para todos, se observa que toda planta em volta é verde e de tudo que precisar tem nela. Nós devemos estar sempre agasalhados a ela como as árvores que estão plantadas nas matas dos ribeiros. Tudo é verde, tudo é florido, tudo é feliz…’– diz ela.

                Ela orienta sobre o cuidado que mantêm o espécime vivo na hora de coletar, também aponta a importância de se compartilhar o conhecimento sobre as plantas medicinais, assim, para que ele alcance o maior número de pessoas.

                Dona Abadia tem uma sugestão: que espécies frutíferas sejam inseridas na arborização, isso, de acordo com ela: ‘facilitaria muito a vida das pessoas, por exemplo, de quem é acostumado a morar na zona rural e precisa visitar a cidade, onde tudo

custa dinheiro’.

                Segundo ela, o interesse somente por dinheiro é que faz com que as pessoas não deem a dedicação que precisa para que possamos ter uma Terra rica para tudo e para todos”.

Fonte: Ribeiro, Daniela. et al. Raizeiros de Alto Paraíso : Saberes Ameaçados. Alto Paraíso de Goiás: Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás, SEDUCE, 2017. v. 1, p. 18-21. 

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