Ecologia Humana

Compreende-se a ecologia humana como um campo multirreferencial em que todas as ciências trazem contribuições, que resultam na compreensão de como podemos ser conhecedores de nós mesmos e do mundo, e como isto pode nos ajudar a transformar nosso estar no mundo e alimentar a transformação pessoal e sócioambiental. A ecologia humana como um campo aberto, interdisciplinar e pluriparadigmático, nos ajuda a exercitar nossa compreensão-ação do homem no mundo numa perspectiva de construir um processo educativo que possibilite ao sujeito individual ou coletivo re-fazer o seu fazer, a partir da ampliação do seu próprio ponto de vista de uma forma mais complexa, criativa, integral e dialógica.

“Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Esta revolução deverá concernir, portanto, não só às relações de forças visíveis em grande escala, mas também aos domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo”. (Guatarri 1990, p.9).

É a partir deste nível molecular que se inicia o processo de Educação Ambiental e Ecologia Humana. É na interface entre ecologia da mente, do desejo, do corpo, da linguagem, do esquecimento, da representação e da contradição, naquele campo onde cada homem é particular e geral, onde corpo e mente se tornam muitas vezes inimigos dissonantes, onde o coletivo é fruto das inúmeras tomadas de decisões de todos retroagindo sobre o todo, é ali que nós nos colocamos como observadoras participantes deste movimento para compreender e construir uma forma de diálogo de cada um consigo mesmo, com os outros internalizados nas suas mais variadas nuances, com o seu contexto de relações compreendidos como um processo de ação – interpretação – ação.

Por sua vez, este homem deve ser entendido como produto e produtor de uma cultura, da qual não deve ser dissociado. Segundo Guatarri, mais do que nunca a natureza não pode ser separada da cultura e precisamos aprender a pensar “tranversalmente as intenções entre ecossistemas, mecanosfera e universos de referências sociais e individuais” (1993, p.25).

Nessa perspectiva, compreende-se a ecologia humana como um campo multirreferencial em que todas as ciências trazem contribuições, que resultam na compreensão de como podemos ser conhecedores de nós mesmos e do mundo, e como isto pode nos ajudar a transformar nosso estar no mundo e alimentar a transformação pessoal e sócioambiental.

Nesse sentido, compreende-se a ecologia humana como um campo aberto, interdisciplinar e pluriparadigmático, que nos ajuda a exercitar nossa compreensão-ação do homem no mundo numa perspectiva de construir um processo educativo que possibilite ao sujeito individual ou coletivo re-fazer o seu fazer, a partir da ampliação do seu próprio ponto de vista de uma forma mais complexa, criativa, integral e dialógica.

A noção de educação compreende a relação dialógica da práxis educativa que integra a Ecologia Humana, entendida como o enraizamento dos seres humanos nas suas bases biológica e sócio-cultural, que resultam no sentido do pertencimento à espécie e ao grupo social, interagindo com o impulso criativo de transformação do mundo para projeção de uma nova ordem. A Ecologia Humana nos permite a criação de sentidos, o que significa considerar o papel da subjetividade, da interação social, da gestão sustentável da natureza e do patrimônio cultural e ambiental dos povos do Cerrado.

A educação sob a ótica transdisciplinar e o reconhecimento da Ecologia Humana na tessitura complexa do mundo permitem ressignificar os conceitos de cidadania, sustentabilidade, qualidade de vida, democracia, liberdade, valores humanos, ultrapassando o sentido sócio-econômico da natureza para garantir a existência plena dos seres humanos, dos processos da vida, da diversidade das culturas e de todos os seres vivos com quem compartilhamos a vida na Terra. Além da preservação das culturas e dos seus valores, a educação com foco na Ecologia Humana invoca a identidade do passado e convoca as utopias do futuro para construir no tempo presente uma ação humana capaz de usufruir e cuidar do patrimônio planetário (cultura e natureza) e da qualidade de vida das atuais e futuras gerações.

Essa concepção de ecologia humana diz respeito também à educação, que vem perdendo gradativamente em função da cultura de massa, da revolução informática, da problemática ambiental e das próprias discussões epistemológicas, suas referências de como formar às gerações futuras. É preciso descobrir novos caminhos pedagógicos para lidar com este momento.

A educação poderá auxiliar muito na transmissão e no fortalecimento de valores autotranscendentes, que envolvem as dimensões individual, social e planetária (Pato, 2011), como igualdade, justiça social, respeito ao outro e às diversas formas de vida, entre outros, visando a emergência de novas maneiras de Ser e de estar no mundo.

Neste sentido, cabe à educação reorganizar o processo de conhecimento, a partir de novas premissas, utilizando-se de todas as dimensões de que o ser humano dispõe, sejam elas racionais, emocionais, intuitivas e corporais, tendo como perspectiva que os grupos de indivíduos caminhem para uma construção própria que os ajude a se compreenderem melhor como coletivo de individualidades, inserindo-se no mundo com uma identidade, ou descobrindo-se como transitoriedade, ou mesmo se reconstituindo sob padrões que permitam rearticular seus valores, sua qualidade de vida e sua participação social.

Estes processos afetam todos os cidadãos, mas, certamente, não da mesma forma, uma vez que as camadas menos privilegiadas têm uma relação diferenciada, tanto com o processo produtivo como com o acesso aos produtos da cultura e natureza e as expectativas de construção identitária.

Em termos gerais, a concepção de educação ambiental adotada por nós visa resgatar a articulação entre os aspectos pessoais, socioculturais e naturais que dão sustentação à vida no planeta, de forma a recuperar a compreensão de que a qualidade e a sustentabilidade da vida incluem tanto a saúde das pessoas e grupos quanto a do próprio ambiente onde estes vivem.

É nesse sentido também que falamos de gestão ambiental. Gestão aqui é entendida como um processo de organizar as relações, mediando os diferentes interesses e necessidades de indivíduos, grupos e sistemas vivos e tecnológicos, buscando viabilizar as ações concretas que permitam solucionar as situações detectadas como problemas por estes mesmos grupos, sem ignorar as diferenças de perspectivas individuais. Esta gestão é entendida como participação e diálogo entre os diferentes atores, em torno de situações concretas, historicamente compreendidas e geograficamente contextualizadas.

A gestão ambiental deve ter por base a descoberta de princípios éticos que legitimem novas formas de organização das relações entre pessoas, grupos e destes com o ambiente, de modo a permitir administrar suas necessidades, desejos e problemas. Tais princípios éticos devem ser buscados a partir do modo de ser e de transformar o mundo característico de cada grupo, seus desejos, metas e estilos de vida próprios.

Porém,  como processo educativo,  a gestão ambiental precisa ir além dos estilos de vida atualmente praticados pelos grupos em questão, buscando fundamentar a construção ética das novas ações, a partir de um instrumental pedagógico que faça emergir uma autoconsciência pessoal e grupal singular e crítica, a consciência das potencialidades ainda não experimentadas e dos processos ecológicos que caracterizam a vida nos ecossistemas e exigem a transformação dos padrões de comportamento humano. Esta concepção de educação/gestão ambiental fundamenta-se em pressupostos de Ecologia Humana, nos quais a consciência de si e do outro é colocada como pré-requisito essencialmente necessário para que os papéis sociais possam ser exercidos de forma clara,  transparente,  dialeticamente associados e dissociados das identidades das pessoas  que os exercem, de maneira a permitir a sintonia entre as diversas partes de um todo organizado e direcionado para um projeto comum.

Assim, para que ocorra a construção das mediações que caracterizam os processos de gestão ambiental, é fundamental que se trabalhe dentro de uma meta educativa, entendida como ações que visam a vivência e a reflexão coletiva e crítico-criativa, necessária à descoberta dos valores que possam fundamentar o viver humano e as relações sociedade-natureza, tanto em nível dos grupos específicos como da comunidade mais geral.

 

DANSA, Claudia Valéria de Assis ; PATO, Claudia ; CORRÊA, Rosângela . Educação Ambiental e Ecologia Humana: Contribuições para um debate. In: Juracy Marques. (Org.). Ecologias Humanas. 1ed.Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, 2014, v. 1, p. 207-216.