Eugênio Pereira das Virgens, comunidade Ema, em Teresina de Goiás

É pai de dez filhos, avô de mais de vinte netos, tem oito bisnetos e um tataraneto de oito anos. O Sr. Eugênio diz que recebeu o dom de seu avô e avó. Seu pai também benzia, e que agora ele é que foi escolhido para dar sequência à benzeção. Segundo ele, entre seus dez filhos, duas filhas podem dar continuidade a essa tradição: Natalina e Tereza.

 

Sou devoto de Nossa Senhora, Anjo da Guarda e acima de todos Jesus. Sempre me preparo antes de benzer. Fecho o corpo, porque se não fechar o corpo antes, pode ser atingido por espíritos malignos. Uso um ramo verde ou um rosário para benzer. O rosário é melhor. O benzimento tem um sistema, um modo certo de fazer. Uma ciência.


Ter fé no Santo cura. A pessoa tendo fé recebe o milagre, o resultado. O remédio e o benzimento trazem o resultado, mas quem faz tudo é Jesus. Ele é quem resolve o espiritual e o carnal.
Para tudo Deus deixou uma solução. Mas as pessoas têm que ter respeito. Hoje, as pessoas esqueceram que precisam respeitar as coisas de Deus. Entram nas matas, cortam tudo, põe fogo. Depois ficam doentes e querem achar os remédios, cadê? Antes, bastava sair no quintal e achava todos os remédios, agora para achar alguns ramos tem de ir lá nas grotas.
Nós estamos aqui porque Deus deixou a natureza, se o Kalunga existe é porque a natureza nos deu tudo que precisamos: a água, a terra, os remédios para curar as enfermidades, tudo é de Deus e por isto que os mais velhos ensinaram a gente a ter respeito pelas coisas de Deus.


Deus deixou tudo para a gente viver, até os remédios das plantas, mas quando pegaram a desviar os rios, a matar, pôr fogo nas florestas, o que aconteceu? Veio este tanto de doenças que ninguém dá conta mais de tratar, porque os remédios estão sumindo.


Aqui, antigamente bastava sair no quintal e tirar os remédios que precisava, agora temos de andar por aí tudo, nas serras e beiradas de estrada para ver se encontra remédios. Ainda mais agora que todo mundo virou raizeiro. Estão cortando as raízes, acabando com as plantas. Não sabe tirar remédios. Mata as plantas. Muita gente por aí diz que sabe tirar remédio, mais as coisas não são assim. Não é só chegar e cortar a planta e dar para a pessoa beber que sarou. Não é mesmo. Tem que ter ciência. Eu estou avisando para este povo ter respeito. Qualquer hora vai ver a malinesa acontecer. Se a pessoa não tiver o Dom, e a fé, Deus não abençoa para aquela cura. Agora estão querendo ganhar dinheiro com os remédios, ter lucro em cima da doença dos outros. Isto Deus não abençoa.


Este pessoal, os turistas, querem pagar para levar nossos remédios. E pagam pouco e até acham quem vende. Mas nossos conhecimentos eles não podem comprar. Isto é Dom de Deus (Sr. Eugênio. Agosto de 2018).

 

Fonte: SILVA, Maria Tereza Gomes da. O ofício do raizeiro: saberes e práticas integrativas em comunidades tradicionais quilombolas Kalunga. 2019. 191 f. Dissertação (Mestrado em Performances Culturais) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019.

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