“Homem de muita sabedoria e fé, Adelídio Ferreira de Almeida, mais conhecido como ‘Seu Dedé’, bisneto de uma índia xavante com um quilombola, nasceu em 03 de abril de 1956, às margens da cachoeira de São Miguel, hoje conhecida como cachoeira Volta da Serra. Trabalhou e morou durante quase toda a sua vida na região da antiga “Baixa”, hoje, internacionalmente conhecido como Vila de São Jorge, município de Alto Paraíso de Goiás. Atualmente, reside no Assentamento Terra Mãe – localizado na zona rural de Colinas do Sul. É raizeiro, violeiro e lavrador, e um excelente guia turístico em toda a região da Chapada dos Veadeiros. Seu Dedé, como muitos moradores da Vila de São Jorge, tem sua História marcada pelo garimpo.

                Ainda criança, por volta dos 12 anos de idade, Seu Dedé começou a trabalhar no garimpo e a desvendar os segredos sobre as plantas medicinais. A sabedoria e a experiência de sua mãe lhe foi transmitida. Mas como ele mesmo afirma: ‘tô estudando

até hoje’.

                ‘Comecei mesmo com minha mãe, eu comecei eu tinha 12 anos, as primeiras plantas que eu comecei aprender foi com ela. Ela me levava pra rancar e eu dizia que só ia rancar se ela me contasse pra quê que servia, aí ela me falava, assim eu fui aprendendo’…’minha mãe também era garimpeira, lavradora e parteira, ia junto com ela pro garimpo e trabalhava na lavoura’.

                Em 1978 casou-se com Maria Francisca Barbosa e juntos tiveram 8 filhos; sua jornada ao lado de Maria foi marcada por muitas lutas, cumplicidade e uma troca mútua de saberes. Adelídio e sua companheira trabalhavam de sol a sol no garimpo, onde hoje é o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em busca de cristais, os quais eles vendiam o quilo por apenas um cruzeiro, para prover o sustendo de sua família.

                Mais tarde, com a criação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros – PNCV, o casal de raizeiros passou a ser guia turístico na região. Segundo seu Adelídio, em 1991 se formou o primeiro grupo de guias e a associação ACV-CV, composto por ele, Seu Wilson, Nivaldo, Uiter e outros. Aproximadamente oito anos depois, sua companheira Dona Maria, também iniciou seus trabalhos como guia. Hoje, três de seus filhos também exercem a profissão de guias turísticos na Chapada dos Veadeiros.

                Adelídio afirma que existia um acordo verbal entre o PNCV e os antigos garimpeiros, “pra largar a roça e o garimpo, nóis podia passar a viver do trabalho de guia”. Mas em 2012, com a desobrigatoriedade de adentrar no Parque acompanhado de guia, Seu Dedé e família ficaram sem o sustento. Sua esposa então decide se mudar, pois ali não poderiam mais guiar, garimpar ou tirar o sustendo da terra, e foi aí que se juntaram ao Movimento dos Trabalhadores sem Terra.

                Dividindo-se entre as andanças pelo Cerrado, o trabalho no campo, a criação dos filhos e o ofício de raizeiros, Adelídio e Maria prosseguiram juntos até dezembro de 2014. Ele conta que ela “fazia a garrafada pra mulher, ai foi nesse ponto que eu aprendi com ela, porque ela sabia fazer a garrafada pra mulher e eu sabia pra homem”. Sempre curioso, ele a observava preparando suas garrafadas e ajudando na coleta das plantas. Após a morte de Maria, ele deu continuidade ao trabalho de sua companheira. Hoje ele prepara garrafadas para mulheres e homens, como também chás e outros compostos medicinais, além de ministrar cursos e vivências sobre a flora nativa da região.

                Para seu Dedé, seu oficio de raizeiro é um dom dado Por Deus. Demonstrações de respeito e fé são constantes em suas palavras. Sua conexão com o ‘Senhor Jesus, nosso Deus’ se manifesta também na hora de coletar as plantas pelo Cerrado: ‘quando eu entro no Cerrado primeiramente eu oro a Deus, pra poder coletar as plantas porque ele é dono de todas as coisas. As plantas não é só chegar e colher não, tem que pedir licença ao Pai do céu, pedir ao Senhor Jesus pra abençoar, pra acertar com as plantas direito e pedir a ele também pra abençoar né, pra poder as plantas dá reação, porque o remédio cura, mas sem a presença de Deus, o remédio não vale nada, é pior que beber água, porque a água mata a sede e o remédio sem a fé não tem utilidade de nada’.

                Adelídeo atende a homens e mulheres, pessoas que o buscam para curar as mais diversas enfermidades, seja impotência, infertilidade, feridas purulentas, distúrbios menstruais, doenças que são tratadas com suas garrafadas, pomadas e pílulas naturais. Em suas experiências com a cura através das plantas ele conta um caso que lhe foi peculiar: ‘Tinha um homem que a piranha mordeu ele (não foi a piranha de casa – risos), piranha do rio, rancou o pedaço, rancou um bife, ele pegou a piranha e veio com ela no anzol, ai ela bateu aqui nele (mostrando a coxa) e grudou, rancou o pedacinho, aí, cadê sarar? Ele tinha diabetes. Não sarava mais de jeito nenhum… Ele é até da Assembléia, chamam ele de pastor. Aí ele falou: ‘Irmão você não sabe um remédio que sara isso aqui não? Isso aqui tá fundando demais, tô com medo de virar câncer, ta fundando e abrindo, saindo muito pus e sangue misturado’[…], porque estava muito inflamado.’ […] Para essa ferida purulenta seu Dedé preparou uma pomada com várias ervas: casca de barbatimão, pau-santo, pau terra, tingui, pacarí, caraíba, carvoeiro do campo, copaíba, casca de pau-terra-da-folha-larga, segundo ele as cascas cozidas na água por várias horas vira ‘um visco, uma cola’ que possui uma forte ação cicatrizante. Essa pomada ele afirma ter aprendido com seu pai, que a preparava para curar ‘feridas crônicas’ de cavalo, mas ele percebeu que poderia ser indicada para humanos; dias depois seu amigo o procurou mostrando a ferida totalmente cicatrizada.

                Seu Dedé prende a atenção do espectador com suas histórias fascinantes sendo a viola caipira uma de suas paixões. Cantor e compositor de belas melodias, junto com seu irmão, encantam as noites da Vila de São Jorge quando são convidados pra tocar. Humilde, com uma saúde de dar inveja a qualquer mocinho, esbanjando simpatia, seu Dedé segue seus dias a ensinar quem aparece em seu caminho, sempre com muito respeito, amor e sabedoria e é claro, com um sorriso contagiante no rosto”.

 

Fonte: Ribeiro, Daniela. et al. Raizeiros de Alto Paraíso : Saberes Ameaçados. Alto Paraíso de Goiás: Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás, SEDUCE, 2017. v. 1, p. 26-30.  

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