Quilombo Kalunga

Quilombo Kalunga é a primeira comunidade no Brasil registrada como TICCA

O maior quilombo do Brasil (262.000 hectares), a comunidade Kalunga se autodeclarou como TICCA e buscou reconhecimento internacional após um extenso processo de documentação e consulta comunitária

Por Mulheres em Ação no Pantanal (MUPAN), Membro do Consórcio TICCA

Mais um passo importante foi dado rumo a conservação de biomas brasileiros. O Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, no Estado de Goiás foi reconhecido oficialmente como um TICCA (Territórios Indígenas e Áreas Conservadas por Comunidades Locais) por um registro internacional que é hospedado pelo Centro Mundial de Monitoramento da Conservação (CMMC) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). TICCA é um conceito reconhecido pelas Nações Unidas Convenção sobre Diversidade Biológica, cujo propósito é reconhecer os direitos das comunidades tradicionais perante seus territórios.

“Enquanto facilitador encaminhamos o documento à CMMC, similar ao que foi feito da primeira vez, no início de 2020, quando a comunidade se autorreconheceu como TICCA”, informou Lilian Ribeiro, Coordenadora de Assuntos Indígenas e Comunidades Tradicionais do PCA (Programa Corredor Azul) da Wetlands International Brasil e da Mupan – Mulheres em Ação no Pantanal (Membro do Consórcio TICCA).

Considerado o maior quilombo do Brasil, com 262 mil hectares, a comunidade Kalunga está situada na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. E, nessa aquisição do registro TICCA, o grupo conta com o assessoramento da Mupan, entidade, sediada em Mato Grosso do Sul, que por todo o território nacional exerce o papel de ponto focal, ou seja, interlocutora do Consórcio TICCA.

Esse feito dá ainda mais energia para seguirmos como entidade facilitadora. “Estamos contentes em ver nossos esforços como instituição facilitadora de TICCA no Brasil dar frutos e alcançar os objetivos da nossa missão”, afirma Rafaela Nicola, ponto focal do Consorcio TICCA para o Brasil e diretora da Wetlands International Brasil.

 O conceito de TICCA funciona como uma forma de reconhecimento internacional para os sistemas de governança autodeterminados, práticas e esforços de conservação dos povos indígenas e comunidades locais em todo o mundo. Este reconhecimento fortalece às comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhas, de terreiro, extrativistas, etc.) frente, inclusive, às políticas mundiais de conservação ambiental e aos possíveis desafios regionais de disputas de terras.

 “Nos interessamos pelo Registro TICCA, principalmente, pelo clima político que o País vem atravessando. Acreditamos que a gente vai ter mais força com esse reconhecimento”, afirma a liderança Kalunga, Damião Moreira, que detalha como tem sido o processo, “A Mupan apresentou o que é TICCA para gente porque ela é o ponto focal no Brasil, e contamos com o apoio de outras duas instituições, a CEPF e o IEB”.

Outro grande suporte veio pela Wetlands International Brasil. Instituição que, ao lado da Mupan, tem disseminado o conceito TICCA pelo País – que é o de valorizar o papel das comunidades locais como agente de conservação ambiental, cultural e de saberes tradicionais de um povo. Conhecimentos esses que podem ser revertidos em práticas de consumo sustentável, combate às mudanças climáticas, pesquisas científicas, etc.

Este ano, a autodeclaração dos Kalunga como TICCA só foi possível após muitas reuniões na comunidade “Foram 17 reuniões, mais de 1.300 pessoas debateram, internamente, a questão de TICCA. Ter o reconhecimento internacional do território Kalunga, vai evidenciar que existe a preservação acima de 80% em nossas terras e sua importância”, pontua Jorge de Oliveira, presidente da Associação Quilombo Kalunga (AQK).

Para buscar este reconhecimento no registro global TICCA, o CMMC incentiva um processo de “revisão e apoio de pares”, pelo qual outros povos indígenas e comunidades locais acompanharão o processo, compartilharão experiências e lições aprendidas e apoiarão a comunidade que busca registrar seu território ou área. “Contudo, os Kalungas são os primeiros, no Brasil, a buscarem esse reconhecimento. Então, a gente se deparou com esse problema para buscar o registro TICCA”, recorda Lilian.

A solução foi criar uma comissão formada por lideranças de comunidades tradicionais que avaliou o processo de reconhecimento, iniciado pela comunidade Kalunga, e encaminhou a carta com um parecer à CMMC. Além disso, um protocolo foi criado para servir de modelo no reconhecimento de novos grupos TICCA, de forma a garantir a imparcialidade e a transparência na emissão do registro. Em fevereiro veio o reconhecimento oficial pela CMMC.

Atualmente, no Brasil, outros grupos têm demonstrado interesse em entender o conceito TICCA. Algo imprescindível para que comunidades ligadas aos seis principais biomas brasileiros – Cerrado; Amazônia; Caatinga; Mata Atlântica; Pantanal e Pampa, e o ecossistema marinho – possam fazer parte da Rede TICCA Brasil.

 

Outras informações sobre o assunto, acesse o Espaço TICCA Brasil, no site da Mupan: www.mupan.org.br/ticca-brasil/