Escola de Almas Benzedeiras de Brasília

Resgate às tradições ancestrais no Cerrado: o caso da Escola de Almas Benzedeiras de Brasília

 

A prática de benzer faz parte de nossa memória cultural e afetiva.  O benzimento é uma tradição oral que, ao ser passada das pessoas mais velhas para as mais novas, mantinha uma relação de confiança e respeito ao saber de quem viveu mais tempo e adquiriu experiência com base nas observações, na escuta atenta do corpo e da natureza ao redor.

 

Bastante comum num período onde o chamado conhecimento técnico científico e médico era bem pouco acessível em regiões fora dos centros urbanos, a prática do benzimento era o recurso reconhecido como “remédio” para quase todos males do corpo e da alma.  Além disso, as doenças que doutor não curava: “quebranto, mal olhado, espinhela caída, ventre virado”, picada de cobra, ventania, e outros, representavam os principais  motivos em que os benzimentos e simpatias eram buscados.

 

Benzer significa tornar bento ou santo. Benzer uma pessoa é o ato de rezá-la, pedindo que dela se afastem todos os males ou o mal específico que lhe esteja afligindo. 

  

Da vivência de Maria Bezerra no resgate da tradição benzedeira legada pela sua avó Vitória, nasceu a Escola de Almas Benzedeiras de Brasília, em setembro de 2016, com o propósito de compartilhar conhecimentos e memórias sobre a arte de curar por meio da benção ou reza, fazendo uso do poder curador das ervas.

 

Apesar de não ser espaço formal de ensino, recebeu o título de escola por ser um movimento contínuo de aprendizagem. É formada por 56 benzedeiras e benzedores, que se unem para aprender, para colocar a energia em movimento, para cuidar e até curar.

 

É simbólico que a Escola tenha nascido no Centro-Oeste, coração do Brasil. Uma região que acolhe a diversidade cultural brasileira e até de outras partes do mundo. Um dos lugares de acesso ao conhecimento dos povos originários, aonde o povo Kalunga, por exemplo, ainda hoje preserva seus meios de vida e compartilham conhecimento dos usos das plantas do Cerrado, seja para fins alimentícios, medicinais e utilitários.

 

Desde seus primeiros passos a Escola se tornou um lugar de resgate e partilha de saberes com base na oralidade e, desde 2017 vem oferecendo atendimentos à comunidade em Unidades Básicas de Saúde em Brasília, no Distrito Federal. São cerca de quatro rodas de benzimento por mês. Durante o período de isolamento social, oferece na mesma periodicidade os benzimentos à distância, uma vez que  essa prática não conhece limitações de tempo e espaço.

 

Além dos atendimentos, oferece oficinas para despertar o caminho do benzimento, participa de eventos e congressos relacionados à saúde integral, cura, fitoterapia e meio ambiente.

 

A prática tradicional do benzimento tem início com a pessoa pronunciando o próprio nome e assim se tornando presente e, portanto, tomando parte no rito de benzer. A partir daí, cada benzedeira e cada benzedor fará o seu ritual de benzimento de acordo com as necessidades que cada pessoa terá trazido para esse campo bendito.

 

É muito comum o uso de símbolos sagrados e consagrados, sobretudo, de plantas. O uso de ervas proporciona que um vegetal seja visto como um elemento dotado de energia e uma dada função de cura e tratamento. Um galhinho de arruda ou um ramo verde de outra planta, recém-colhida contém a energia necessária para o benzimento e possui a dupla função de proteção para quem benze e de instrumento de cura para quem é o benzido.

 

A energia do sol desde o alvorecer da manhã,  traz o desabrochar das plantas, expansão, calor e abertura necessária à prática de benzer. Ao finalizar o dia, quando a luz do sol vai deixando o céu, por volta das 18 horas, o cair da noite está sob influência de outra energia, mais voltada para a interiorização, para o recolhimento. É hora de encerrar o benzimento, que só em caso de emergência deverá acontecer.

 

Na Unidade Básica de Saúde, com apoio de pessoas da comunidade vizinha, uma horta circular denominada Mandala de Ervas é cultivada em regime de mutirão para servir de suporte ao benzimento e aos aprendizados. Ervas como boldo, arruda, alecrim, confrei, cavalinha, perfume de mulata ou macaçá, guiné, erva de Santa Maria, dentre outras, compõem uma farmácia viva no local para tratar de ossos quebrados, dores de cabeça, má digestão, resfriados e as doenças da atualidade: estresse, depressão e ansiedade.

 

Além da luz do dia e de conhecimentos sobre as ervas, para praticar o benzimento é preciso intenção e vontade alinhados no bem e no amor somados ao espírito de servir e ao estado de bem dizer a vida e todos os seres. Desse encontro de fatores cria-se um campo energético cheio de magnetismo benéfico, repleto de agentes restauradores: ser humano em integração harmoniosa com as forças da natureza, uma combinação com alto potencial para promover a cura em todos os níveis do ser. 

 

É esse o lugar onde a Escola de Almas Benzedeiras de Brasília deitou suas raízes e vem se desenvolvendo, resgatando os saberes ancestrais e os remédios que a nossa rica biodiversidade brasileira nos oferece. Benze que passa!