Dona Marcília
É uma senhora magra, de cabelos curtos e brancos, se declara como branca, é muito ativa e enérgica. Um de nossos encontros foi em um curso que ministrou em Pirenópolis-GO, chamado “O encontro com a Benzedeira interior: aprendendo a magia das plantas purificadoras” no dia 11 de setembro de 2017, falarei dele mais adiante. Nascida em Goiânia-GO, tem 70 anos, mora sozinha em Pirenópolis há 11 anos, não tem filhos, é formada em letras no CEUB (Centro de Ensino Unificado de Brasília) e é técnica em nutrição. É raizeira e benzedeira. Já trabalhou com pesquisa no Jardim Botânico de Brasília e escreveu um livro, sobre fitoterapia e ervas medicinais do cerrado, de 1994, publicado em Brasília-DF, pela gráfica do Senado Federal. Participa da rádio da cidade mensalmente, falando sobre saúde e fitoterapia.
” La em casa nós nunca usamos remédio de farmácia não, o papai fazia os remédios para gente. Eu nasci de 6 meses, pesava menos de 1kg, mamãe me levou no médico e ele falou “não vou tratar dela não que ela não vai vingar”, aí papai cuidou e estou aqui com 70 anos muito sadia, muito saudável, graças ao meu pai e a Deus, à medicina não, porque eles não quiseram cuidar de mim. Eu que fiquei com as fórmulas dele, eu que trabalhei com ele desde criança, ia no cerrado com ele. Me ensinou tudo e ele aprendeu também com os índios Maxakalis, os quais tinha muito contato. Depois eu passei a estudar, para além do que meu pai me ensinou, porque ele foi o meu mestre, eu aprendi também com os índios Terenas, fui na Amazônia, fiquei um tempo lá com os índios Ticuna, no Alto Solimões. Estudei muito, participei de congresso, consegui entrar para a Sociedade Botânica do Brasil, mas eu aqui em Pirenópolis sou raizeira e benzedeira, porque aí é o conhecimento ancestral, é a cultura popular e o fato de eu ser as duas coisas é o meu escudo. Eu fui pra Cuba, fiz um curso lá, apresentei trabalho, fiz curso de medicina ayurveda, procuro estudar, estudo todo dia e sempre”.
Marcília, além de benzedeira é raizeira, e dá, além do curso de benzedeira, cursos trimestrais, no alpendre de sua casa, sobre plantas medicinais, preparação de tinturas, óleos, florais e massagens.
“Depois que eu falei que eu sou benzedeira o povo correu de mim, eu acho que eles acham que a gente mexe com macumba, fica com medo. O pessoal tem preconceito, e não tem nada a ver. Benzer é ajudar, benzer é fazer o bem, benzer é transformar a sua energia com a energia do outro, no sentido de ajudar. Eu não faço, jamais farei, eu não tenho formação para isso, fazer o mal para ninguém. Por isso eu custei muito a assumir viu? Sou benzedeira desde criança e assumi agora com 71 anos. Eu fiquei com medo. Eu fui na rádio e falei e assumi geral mesmo, para 25 mil pessoas, aí depois eu dei o curso. Quem quiser vim aqui em casa agora vem, quem não quiser não vem”. p. 95
“Quando estava mocinha, com 12 anos por ai, uma tia minha que também era benzedeira, me falou o seguinte “benzer a gente não ensina, você vai benzer a sua maneira, eu benzo do meu modo, você vai benzer do seu, eu não te ensino, você vai ter a intuição do que você deve fazer” e eu tenho feito isso. Eu tenho a minha experiência de vida e minha fé, você tem a sua, a sua vida não é igual a minha. Cada ser é diferente, a energia dele é diferente, os guias que ele trabalha são diferentes, a atmosfera dele, o cosmos, a maneira dele ver a vida, é diferente. Nós somos resultado da nossa criação e do nosso conhecimento e cada pessoa é uma, com sua riqueza e característica própria”. p.92
“se você cobrar, perde a força, para benzer não pode cobrar”.
Fonte: RODRIGUES, Melina Soares. Benzedeiras e raizeiras: entre novas e velhas práticas. 2018. 154 f., il. Dissertação (Mestrado em Ciências e Tecnologias em Saúde)—Universidade de Brasília, Brasília, 2018.