Da palmeira do babaçu tudo se aproveita, frutos, folhas, estipe, raízes e flores. Essa árvore, que pode atingir 30 metros de altura, pode ser encontrada no Brasil, mas também em outros países da América do Sul, como Suriname, Guiana e Bolívia. Em nosso país chega a ocupar uma área de aproximadamente 25 milhões de hectares e se espalha, principalmente, pelos estados do Maranhão, Piauí, Pará e Mato Grosso. Além de ser encontrada, também, em menor quantidade, em Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Rondônia, Tocantins e Goiás. Seu nome vem do tupi-guarani, ibá-guaçu, e significa “fruto grande”, mas para as quebradeiras de coco babaçu, a palmeira é conhecida como mãe. A palmeira faz parte da vida delas, das suas famílias e geriu sua identidade. Em depoimento durante uma reunião, as quebradeiras de coco confidenciaram que “quem passa a vida inteira no cocal conversa com a palmeira e ela responde. Do jeito que a gente está, ela está. Do jeito que a gente sofre, ela sofre também”[1].
De uma árvore completa vem a fonte de renda e complemento na alimentação de diversas comunidades. O babaçu contribui na construção das casas, dele é possível extrair vários derivados, o que faz que se torne fonte de renda por ser matéria prima para a produção de sabão e seus produtos, como o óleo e a castanha que são comuns na culinária local e mesmo na produção de cosméticos. Das amêndoas, se faz o óleo; as cascas são utilizadas como carvão e uma das camadas do coco é transformada no mesocarpo, farinha altamente nutritiva que tem sido usada na preparação de bolos, pães e biscoitos. As folhas são trançadas e se transformam em cestos. A árvore oferecida facilmente pelo cerrado, principalmente nas áreas alagadas, tornou-se meio de vida e sobrevivência. Para as mulheres, principalmente, tornou-se identidade e profissão.
Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco
A COPPALJ – Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco encontra-se no LAGO DO JUNCO que é um município da unidade federativa Maranhão. Seu território é composto 15% pelo bioma Amazonia e 85% pelo bioma Cerrado. foi fundada em 15 de abril de 1991 e nasceu do movimento de mulheres pela luta de manter o babaçu livre. Tiveram o apoio da igreja para industrializar o processo de extração e concentração do óleo de babaçu. Todos os trabalhadores são associados e passam por capacitações em todos os setores da cooperativa. A produção de coco é recolhida nas cantinas pelo caminhão da cooperativa de 8 em 8 dias durante a safra, e de 15 em 15 dias na entre safra. A venda no mercado nacional ainda é pequena, realizando a maior parte das vendas no mercado externo. Produzem óleo de babaçu orgânico, certificado pelo IBD.
Visando aproveitar o coco babaçu de maneira integral, a COPPALJ viabilizou uma estrutura comercial, em que as cantinas, que são pequenos comércios localizados na zona rural, trabalhem como receptoras da produção das amêndoas coletadas pelas quebradeiras de babaçu, que têm um papel importante na cooperativa e na geração da renda familiar.
Contato
Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco
Rua Nova Brasília, 200, Bairro Nova Brasília, Lago do Junco/MA. CEP: 65.710-000
Tel.: (99) 3634 1463 / (99) 3642 2152
E-mail: coppalj@gmail.com / assemacomercio@assema.org.br
Fonte: http://www.cerratinga.org.br/coopalj-maranhao/
Os finais de tarde em Lago do Junco, cidade distante 300 quilômetros de São Luis (MA), são marcados por um ritual que se repete há décadas: grupos de mulheres adentram as matas entoando cantos e versos para quebrar coco babaçu. Nas mãos, ferramentas e, nas costas, o cofo, um cesto de palha. Maria, Fátima, Diocina, Ivete e tantas outras passam boa parte da vida enfiadas no mato. A história de uma é quase a mesma da outra. Juntas, lutaram pela terra e amamentaram filhos se esquivando do relho dos coronéis.
Quem quer que se ponha a escutar suas histórias percebe como a vida delas mudou nos últimos 25 anos. Saíram da opressão econômica e cultural no nordeste brasileiro para brilhar na Europa e nos Estados Unidos. “Antes, a gente vivia de catar coco, obedecer homem, fosse marido ou coronel. Agora, somos mulheres, agricultoras, empreendedoras e cientes do nosso papel na sociedade e do compromisso com o planeta”, diz, orgulhosa, Maria das Dores Lima, a Dôra, de 46 anos, presidente da Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais (AMTR) de Lago do Junco. “Somos agricultoras empoderadas”, diz.
Dôra é a voz das quebradeiras. Mãe de quatro filhos, quebra coco desde os 7 anos, é afinadíssima, cria músicas, e coleta até 16 quilos de amêndoas por dia, sozinha. Tinha 21 anos quando começou a empreender. “Um paulista comprou nosso óleo e mostrou para um executivo da Inglaterra”, lembra. O tal executivo era funcionário da companhia inglesa de cosméticos The Body Shop, que na mesma época já rodava o mundo em busca de fornecedores sustentáveis para seus produtos, um programa chamado Community Trade. “Não sabíamos o que era economia solidária, sustentabilidade, bônus, e a proposta dele incluía isso tudo”, lembra Dôra.
Mulheres bravas
A maioria das famílias rurais de Lago do Junco chegou lá nos anos 1940. Migraram para a Mata dos Cocais, bioma onde os babaçuais são abundantes, para ganhar a vida. “Essas terras não tinham dono até 1964, quando foram subdivididas e dadas de presente aos coronéis”, conta Diocina dos Reis, de 64 anos. “Derrubaram as matas para formar pastos e nos proibiram de catar coco”,diz a quebradeira.
Diocina relata que as mulheres, grávidas, com mais duas ou três crianças na barra da saia, enfrentaram os coronéis porque não tinham outra forma de sobreviver. “Dissemos que enquanto fosse proibido a gente catar o coco (o babaçu cresce em cachos e, quando maduro, cai no chão) iríamos matar um boi deles por dia para dar de comer aos nossos filhos.” Tamanha ousadia rendeu-lhe chicotadas, surras de arame farpado e até mortes. “Foi uma luta sangrenta. Em 1986, alguns permitiram que a gente quebrasse coco, mas ditavam as regras da venda.”
“Os homens falam: cuidado com elas porque são bravas, conseguem o que querem”, diz. “Mas esse apelido foi dado porque criamos o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)”. A iniciativa citada resultou na aprovação da Lei do Babaçu Livre, em 1997, que estabeleceu o livre acesso e o uso comum dos babaçuais e proibiu a derrubada das palmeiras. Hoje, a lei é aplicada em 11 municípios brasileiros.
Até o final dos anos 1980, o comércio de babaçu obedeceu ao “quebra-metade”. João Valdeci Viana Lima, presidente da Cooperativa dos Produtores do Lago do Junco (Coopalj), conta que, ao permitir a entrada nas terras, o fazendeiro exigia metade da colheita. “Dez quilos de amêndoa valiam 1 de arroz. O que sobrava dava para fazer sabão.”
Diocina dos Reis mostra cosmético feito com o óleo, em Unaí (MG)
Maria das Dores, a Dôra, presidente da AMTR
Em 1989, o quilo da amêndoa custava o equivalente a R$ 0,04. Atualmente, o mesmo volume custa R$ 2,50 e o quilo do óleo, 3,15 euros. “Por ano, as mulheres coletam cerca de 700 toneladas de amêndoas. A cooperativa compra, processa, extrai o óleo e exporta”, explica Valdeci, que negociou 350 toneladas de óleo de babaçu com indústrias de cosméticos no ano passado. O restante da produção, vai para uma fábrica de sabonetes que elas montaram. Produzem12 mil unidades por ano. Cada um é vendido por R$ 3, mas, em lojas de São Luís, Rio de Janeiro e São Paulo, custam R$ 10.
Esse espírito empreendedor, contam elas, ganhou força com a chegada da The Body Shop e do Community Trade. Mark Davis, diretor global de abastecimento da marca, explica que a empresa mantém parcerias com 28 comunidades em diversos países (só o Brasil possui três comunidades) e elas fornecem os ingredientes que a empresa precisa para fabricar cosméticos naturais.
João Valdeci diz que, para fazer o negócio fluir, a The Body Shop teve de adiantar US$ 5 mil para os agricultores. “Eles nos ensinaram praticamente tudo e, principalmente, vivem nos incentivando a expandir os negócios, a buscar outros parceiros”, admite.
Até 2020, a companhia inglesa quer ampliar essas parcerias e chegar a 40 comunidades ao redor do mundo. Mark Davis diz que o objetivo é assegurar que todos os ingredientes naturais usados por eles sejam rastreados e de origem sustentável. Ele estima que essa política possa preservar 10.000 hectares de florestas no planeta. “Nossa ambição é ser o negócio global mais ético e sustentável do mundo”, diz.
Salvem as pindovas
Fábrica de extração de óleo, em Lago do Junco (MA)
A Coopalj tem 160 associados. Além do babaçu, vem testando, junto com a Embrapa Cocais, alguns tipos de cultivos consorciados para reduzir as áreas de pastagens degradadas com hortaliças, frutas, reflorestamento e gado de leite. No final do ano passado, distribuiu R$ 88 mil em sobras. “A diversificação é necessária, mas o babaçu ainda é nosso ouro”, diz o agricultor.
Segundo ele, do babaçu é possível aproveitar tudo: o epicarpo (fibras), para fazer xaxim, o mesocarpo (polpa), para preparar alimentos, o endocarpo (casca), para gerar energia (carvão), e a amêndoa, usada para a extração do óleo.
A palmeira chama-se pindova nos primeiros anos de vida. “Os grandes fazendeiros não podem mais derrubar as árvores porque está na lei, mas eles trabalham para não deixar as pindovas crescerem”, explica Valdeci. Na região, é comum encontrar pindovas queimadas com óleo diesel, diz ele. “É triste, mas a consciência sustentável tem se espalhado pelas famílias rurais de forma rápida e eles estão atuando como vigias da natureza.”
O Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins emerge como uma organização que representa os interesses sociais, políticos e econômicos desse grupo, dando às mulheres a possibilidade de serem vistas e reconhecidas. Isso possibilita a chance de se desenvolverem por meio do conhecimento e da experiência que o trabalho do movimento oferece e de adquirirem visão ampliada de mundo, para além das comunidades de que fazem parte. A luta pelo direito à terra e ao babaçu, é também pela qualidade de vida da mulher no campo.
O MIQCB tem como missão organizar as quebradeiras de coco babaçu para que conheçam seus direitos, a fim de promover a autonomia política e econômica em defesa das palmeiras de babaçu, dos territórios, do meio ambiente e da luta pela melhoria de suas condições de vida e de suas famílias, com base no bem viver.
Sua visão de futuro é ser referência, enquanto guardiãs da floresta de babaçu, na valorização dos conhecimentos tradicionais, na luta por direitos de acesso à terra e ao território, ao babaçu livre e à prática da agroecologia. O movimento busca a mobilização e a participação das quebradeiras de coco babaçu, ampliando conquistas a mais de 400 mil quebradeiras, incluindo jovens e outros membros de comunidades agroextrativistas.
Entre os objetivos do MIQCB, destacam-se alcançar grandes conquistas na defesa das florestas de babaçu (como a Lei do Babaçu Livre nas três esferas governamentais) e garantir territórios tradicionais por meio de reservas extrativistas, criadas e implementadas, bem como territórios quilombolas demarcados – o que contribuirá para a regularização fundiária da sua área de abrangência.
Em 1991, com a ajuda de organizações não governamentais, as quebradeiras articularam o primeiro Encontro Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, em São Luís (MA), o qual resultou na criação da Articulação das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu. Em 1995, no II Encontro Interestadual, o nome foi mudado para Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). As articulações ao longo de décadas promoveram a autonomia econômica de muitas mulheres, além do aumento do capital social das comunidades e o desenvolvimento de lideranças capazes de articular com órgãos governamentais em prol de direitos.
As quebradeiras conquistaram avanços por meio de leis municipais e estaduais que promovem o livre acesso aos babaçuais e a proteção contra a derrubada das palmeiras. A ampliação dos conhecimentos tradicionais e de produtos da sociobiodiversidade por meio do acesso a programas de assessoria técnica rural e de compras públicas, que levaram os produtos do babaçu a merendas escolares, hospitais, bancos de alimentos e outras instituições públicas.
Com apoio da cooperação internacional, organizações parceiras e outros movimentos e povos e comunidades tradicionais, fortalecemos nossas resistências e ampliamos nossos esforços para garantir qualidade de vida e bem viver para um número maior de pessoas que vivem no meio rural. Incluindo os jovens do campo para que tenham oportunidades de escolhas para o futuro em suas comunidades.
Nossa luta continua porque sabemos que não existimos sem as florestas de babaçu, sem nossa Mãe Palmeira. E se não resistirmos, as florestas também deixarão de existir. Cuidamos da água e dos alimentos em nossas comunidades, e cuidamos da terra para agradecer o que ela nos dá. Por isso, afirmamos: floresta em pé é floresta com mulher!
Site: https://www.miqcb.org
Endereço Interestadual
Rua São Raimundo, Quadra 42, Casa nº 09
Bairro Jardim Eldorado, São Luís – MA
(98) 3268-3357 | 3221-4163
CEP: 65067-272
miqcb@miqcb.org.br
São cerca de 400 mil pessoas, principalmente mulheres não proprietárias de terras, que vivem da coleta e do beneficiamento do babaçu no Maranhão, no Piauí, em Goiás e no Tocantins. Desde 1990, estão organizadas num movimento interestadual cuja principal vitória tem sido a aprovação, em diversos municípios, da Lei do Babaçu Livre, que proíbe derrubadas, queimadas e aplicação de agrotóxicos nas palmeiras, além de liberar o acesso aos babaçuais em terras públicas e privadas.
Visite a página do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu no FaceBook: https://www.facebook.com/MIQCBOficial/
A maior conquista do MIQCB foi a criação de uma lei municipal, conhecida como Lei do Babaçu Livre, que nasceu em Lago do Junco, no Maranhão, e se espalhou por vários outros municípios.
As leis do babaçu livre deram às mulheres direitos sobre as palmeiras independentemente da terra onde se localizassem. Na luta por sua implementação, as mulheres alegaram que, antes do direito à propriedade privada, estava o direito à vida. “Antes da lei elas faziam ‘empates’, ou seja, se colocavam na frente das palmeiras com os filhos em volta. Falavam que cada palmeira que matavam era uma mãe de família que caía junto”.
Nos municípios com a Lei do Babaçu Livre, os fazendeiros permitem a entrada das mulheres em suas fazendas sem negociação nenhuma e eles ficam proibidos de derrubar as palmeiras e usar agrotóxicos. A legislação garante que os fazendeiros mantenham uma distância mínima entre as palmeiras e deixem adultas e jovens para renovar. Queimar coco inteiro passou a ser proibido e cortar a palmeira e o cacho de cocos também, aumentando a disponibilidade de coco e diminuindo a distância percorrida pelas mulheres.
A Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco (COPPALJ ) encontra-se no Lago do Junco que é um município da unidade federativa Maranhão. Seu território é composto 15% pelo bioma Amazônia e 85% pelo bioma Cerrado. A cooperativa foi fundada em 15 de abril de 1991 e nasceu do movimento de mulheres pela luta de manter o babaçu livre. Tiveram o apoio da igreja para industrializar o processo de extração e concentração do óleo de babaçu. Todos os trabalhadores são associados e passam por capacitações em todos os setores da cooperativa. A produção de coco é recolhida nas cantinas pelo caminhão da cooperativa de 8 em 8 dias durante a safra, e de 15 em 15 dias na entre safra. A venda no mercado nacional ainda é pequena, realizando a maior parte das vendas no mercado externo. Produzem óleo de babaçu orgânico, certificado pelo IBD.
Visando aproveitar o coco babaçu de maneira integral, a COPPALJ viabilizou uma estrutura comercial, em que as cantinas, que são pequenos comércios localizados na zona rural, trabalhem como receptoras da produção das amêndoas coletadas pelas quebradeiras de babaçu, que têm um papel importante na cooperativa e na geração da renda familiar.
Contato
Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco
Rua Nova Brasília, 200, Bairro Nova Brasília, Lago do Junco/MA. CEP: 65.710-000
Tel.: (99) 3634 1463 / (99) 3642 2152
E-mail: coppalj@gmail.com / assemacomercio@assema.org.br
Fonte: http://www.cerratinga.org.br/coopalj-maranhao/
Os finais de tarde em Lago do Junco, cidade distante 300 quilômetros de São Luis (MA), são marcados por um ritual que se repete há décadas: grupos de mulheres adentram as matas entoando cantos e versos para quebrar coco babaçu. Nas mãos, ferramentas e, nas costas, o cofo, um cesto de palha. Maria, Fátima, Diocina, Ivete e tantas outras passam boa parte da vida enfiadas no mato. A história de uma é quase a mesma da outra. Juntas, lutaram pela terra e amamentaram filhos se esquivando do relho dos coronéis.
Quem quer que se ponha a escutar suas histórias percebe como a vida delas mudou nos últimos 25 anos. Saíram da opressão econômica e cultural no nordeste brasileiro para brilhar na Europa e nos Estados Unidos. “Antes, a gente vivia de catar coco, obedecer homem, fosse marido ou coronel. Agora, somos mulheres, agricultoras, empreendedoras e cientes do nosso papel na sociedade e do compromisso com o planeta”, diz, orgulhosa, Maria das Dores Lima, a Dôra, de 46 anos, presidente da Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais (AMTR) de Lago do Junco. “Somos agricultoras empoderadas”, diz.
Dôra é a voz das quebradeiras. Mãe de quatro filhos, quebra coco desde os 7 anos, é afinadíssima, cria músicas, e coleta até 16 quilos de amêndoas por dia, sozinha. Tinha 21 anos quando começou a empreender. “Um paulista comprou nosso óleo e mostrou para um executivo da Inglaterra”, lembra. O tal executivo era funcionário da companhia inglesa de cosméticos The Body Shop, que na mesma época já rodava o mundo em busca de fornecedores sustentáveis para seus produtos, um programa chamado Community Trade. “Não sabíamos o que era economia solidária, sustentabilidade, bônus, e a proposta dele incluía isso tudo”, lembra Dôra.
Mulheres bravas
A maioria das famílias rurais de Lago do Junco chegou lá nos anos 1940. Migraram para a Mata dos Cocais, bioma onde os babaçuais são abundantes, para ganhar a vida. “Essas terras não tinham dono até 1964, quando foram subdivididas e dadas de presente aos coronéis”, conta Diocina dos Reis, de 64 anos. “Derrubaram as matas para formar pastos e nos proibiram de catar coco”,diz a quebradeira.
Diocina relata que as mulheres, grávidas, com mais duas ou três crianças na barra da saia, enfrentaram os coronéis porque não tinham outra forma de sobreviver. “Dissemos que enquanto fosse proibido a gente catar o coco (o babaçu cresce em cachos e, quando maduro, cai no chão) iríamos matar um boi deles por dia para dar de comer aos nossos filhos.” Tamanha ousadia rendeu-lhe chicotadas, surras de arame farpado e até mortes. “Foi uma luta sangrenta. Em 1986, alguns permitiram que a gente quebrasse coco, mas ditavam as regras da venda.”
“Os homens falam: cuidado com elas porque são bravas, conseguem o que querem”, diz. “Mas esse apelido foi dado porque criamos o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)”. A iniciativa citada resultou na aprovação da Lei do Babaçu Livre, em 1997, que estabeleceu o livre acesso e o uso comum dos babaçuais e proibiu a derrubada das palmeiras. Hoje, a lei é aplicada em 11 municípios brasileiros.
Até o final dos anos 1980, o comércio de babaçu obedeceu ao “quebra-metade”. João Valdeci Viana Lima, presidente da Cooperativa dos Produtores do Lago do Junco (Coopalj), conta que, ao permitir a entrada nas terras, o fazendeiro exigia metade da colheita. “Dez quilos de amêndoa valiam 1 de arroz. O que sobrava dava para fazer sabão.”
Em 1989, o quilo da amêndoa custava o equivalente a R$0,04. Atualmente, o mesmo volume custa R$2,50 e o quilo do óleo, 3,15 euros. “Por ano, as mulheres coletam cerca de 700 toneladas de amêndoas. A cooperativa compra, processa, extrai o óleo e exporta”, explica Valdeci, que negociou 350 toneladas de óleo de babaçu com indústrias de cosméticos no ano passado. O restante da produção, vai para uma fábrica de sabonetes que elas montaram. Produzem12 mil unidades por ano. Cada um é vendido por R$3,00, mas, em lojas de São Luís, Rio de Janeiro e São Paulo, custam R$10,00.
Esse espírito empreendedor, contam elas, ganhou força com a chegada da The Body Shop e do Community Trade. Mark Davis, diretor global de abastecimento da marca, explica que a empresa mantém parcerias com 28 comunidades em diversos países (só o Brasil possui três comunidades) e elas fornecem os ingredientes que a empresa precisa para fabricar cosméticos naturais.
João Valdeci diz que, para fazer o negócio fluir, a The Body Shop teve de adiantar US$5 mil para os agricultores. “Eles nos ensinaram praticamente tudo e, principalmente, vivem nos incentivando a expandir os negócios, a buscar outros parceiros”, admite.
Até 2020, a companhia inglesa quer ampliar essas parcerias e chegar a 40 comunidades ao redor do mundo. Mark Davis diz que o objetivo é assegurar que todos os ingredientes naturais usados por eles sejam rastreados e de origem sustentável. Ele estima que essa política possa preservar 10.000 hectares de florestas no planeta. “Nossa ambição é ser o negócio global mais ético e sustentável do mundo”, diz.
Salvem as pindovas
Fábrica de extração de óleo, em Lago do Junco (MA)
A Coopalj tem 160 associados. Além do babaçu, vem testando, junto com a Embrapa Cocais, alguns tipos de cultivos consorciados para reduzir as áreas de pastagens degradadas com hortaliças, frutas, reflorestamento e gado de leite. No final do ano passado, distribuiu R$ 88 mil em sobras. “A diversificação é necessária, mas o babaçu ainda é nosso ouro”, diz o agricultor.
Segundo ele, do babaçu é possível aproveitar tudo: o epicarpo (fibras), para fazer xaxim, o mesocarpo (polpa), para preparar alimentos, o endocarpo (casca), para gerar energia (carvão), e a amêndoa, usada para a extração do óleo.
A palmeira chama-se pindova nos primeiros anos de vida. “Os grandes fazendeiros não podem mais derrubar as árvores porque está na lei, mas eles trabalham para não deixar as pindovas crescerem”, explica Valdeci. Na região, é comum encontrar pindovas queimadas com óleo diesel, diz ele. “É triste, mas a consciência sustentável tem se espalhado pelas famílias rurais de forma rápida e eles estão atuando como vigias da natureza.”
O projeto Floresta de Babaçu em Pé tem o objetivo de promover a defesa do babaçual, por meio da organização da cadeia produtiva do babaçu e da consolidação do Fundo Babaçu. Para tanto, propicia ações articuladas e recursos financeiros para iniciativas locais, estaduais e regionais que contribuam para o declínio do desmatamento dessas florestas, para a garantia dos direitos das comunidades tradicionais das quebradeiras de coco babaçu e, ainda, para a melhoria das condições de vida das famílias agroextrativistas.
Desenvolvido pela AMIQCB (uma associação de direito privado sem fins lucrativos, institucionalizada em 2002) com recursos próprios e do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), o projeto Floresta de Babaçu em Pé tem a missão de organizar as quebradeiras de coco babaçu para conhecerem seus direitos, defender a palmeira de babaçu, o meio ambiente e lutar pela melhoria de condições de suas vidas e a de suas famílias. Atua, ainda, para a inclusão social e produtiva dessas famílias, por meio da intervenção direta na geração de ocupação e renda no meio rural, através do agroextrativismo.
Dessa forma, a AMIQCB busca ser referência na valorização dos conhecimentos tradicionais e na mobilização e participação das quebradeiras de coco babaçu. Suas conquistas são ampliadas diretamente a 400 mil quebradeiras e 500 jovens, além de outros membros das comunidades agroextrativistas.
Entre as grandes conquistas a serem alcançadas na defesa das florestas de babaçu, estão a aprovação da Lei do Babaçu Livre nas três esferas governamentais e a garantia dos territórios tradicionais – por meio de reservas extrativistas criadas e implementadas e territórios quilombolas demarcados –, contribuindo para a regularização fundiária da sua área de abrangência.
Abrangência geográfica do projeto
O projeto Floresta de Babaçu em Pé contempla mais de 60 mil km² ou 6 milhões de hectares, abrangendo 58 municípios dos estados do Maranhão, Tocantins e Pará.
Maranhão
Açailândia, Amarante do Maranhão, Cidelândia, Imperatriz, João Lisboa, São Pedro da Água Branca, Senador La Rocque, Vila Nova dos Martírios, Cajari, Matinha, Monção, Olinda Nova do Maranhão, Pedro do Rosário, Penalva, Santa Helena, Viana, Itapecuru Mirim, São João Batista, Vitória do Mearim, Bacuri, São Bento, São Vicente Ferrer, Mirinzal,Monção, Bacabal, Lago da Pedra, Lago do Junco, São Luís (escritório central do MIQCB), Codó, Dom Pedro, Esperantinópolis, Lago dos Rodrigues, Lima Campos, Pedreiras, Peritoró, Santo Antônio dos Lopes, São José dos Basílios e São Luís Gonzaga do Maranhão
Tocantins
Ananás, Angico, Araguatins, Buriti do Tocantins, Esperantina, Riachinho, São Sebastião do Tocantins, Wanderlândia, Augustinópolis, Axixá do Tocantins, Carrasco Bonito, Sampaio, São Miguel do Tocantins e Sítio Novo do Tocantins.
Pará
São Domingos do Araguaia, Brejo Grande do Araguaia, Canaã dos Carajás, Palestina, São João do Araguaia e São Geraldo do Araguaia.
A área abrangida pelo Projeto Floresta de Babaçu em Pé é estratégica por concentrar o histórico de lutas das quebradeiras de coco babaçu para manter a palmeira em pé. Possui forte mobilização social em torno da proteção dos babaçuais e direitos fundamentais e concentra concentra significativo contingente populacional em situação de extrema pobreza.
A maioria dos municípios da área possuem IDH muito baixo, em torno de 0,60, e PIB Per Capita de R$ 5.700,00 – todos muito abaixo da média nacional (R$ 15.989,77). Também abrigam grande população no meio rural, na maioria composta por agricultores familiares, assentados, povos e comunidades tradicionais, em especial quebradeiras, quilombolas e indígenas.
O ambiente florestal dos babaçuais mesclado com cultivos diversificados dos agroextrativistas ou pastagens de pecuaristas configura grandes áreas com espécies florestais nativas. Em grande parte dessa área de mais de 60 mil km², a ocupação dos solos é prevalecida por concentrações urbanas, grandes latifúndios cobertos com pastagens e outras monoculturas, como arroz e soja, além de empreendimentos de grande impacto ambiental, como a mineração.
Portanto, é uma região dependente dos serviços ecossistêmicos oferecidos pelos babaçuais, em especial a proteção de nascentes e áreas de recarga de aquíferos, estoques de carbono e regulação do clima, biodiversidade, refúgio de fauna silvestre e conservação de solos. A região apresenta zonas de alta densidade de palmeiras, com populações superiores a 200 palmeiras por hectare, responsável por 30% de toda a produção nacional da amêndoa do babaçu.
Segundo o Censo Agropecuário de 2006, segunda apuração (versão de 2012), a amêndoa do babaçu é o segundo produto da sociobiodiversidade mais vendido no Brasil, com cerca de 148.000 ton por ano. Isso representa um resultado econômico de R$ 98,6 milhões movimentados anualmente na economia local.
Mais informações: https://www.miqcb.org/floresta-babacu-em-pe
O Fundo Babaçu é mais uma conquista das mulheres do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). Nasceu em 2012, da experiência do movimento com o Fundo Rotativo de Microcréditos, gerido e acessado pelas mulheres para o desenvolvimento de pequenos projetos agroextrativistas de geração de renda.
Desde sua criação, o Fundo Babaçu lançou quatro editais, capitalizando valores para realização de projetos socioambientais por grupos e organizações comunitárias de quebradeiras de coco babaçu. Hoje, o fundo é gerido de forma participativa pelo Comitê Gestor do Fundo Babaçu, que envolve diversas organizações parceiras do movimento.
Em um cenário de diversos conflitos socioambientais – vivenciados pelas quebradeiras de coco babaçu em suas comunidades para reprodução do seu modo de vida e conservação da floresta – e de uma histórica exclusão de comunidades tradicionais e grupos comunitários no acesso a fontes de recursos voltadas a projetos socioambientais, o Fundo Babaçu tem entre seus objetivos:
– Promover e operacionalizar o acesso a recursos de caráter não reembolsável para ações de agricultura e extrativismo de base agroecológica e econômico-solidária;
– Apoiar ações voltadas à segurança alimentar e nutricional e geração de renda, para a melhoria da qualidade de vida de povos e comunidades tradicionais e outras comunidades que vivem em regime de produção familiar nos babaçuais;
– Incentivar a conservação da sociobiodiversidade existente nas florestas de babaçu, por meio da ampliação do acesso a fontes de recursos e de políticas públicas;
– Apoiar e promover a mobilização comunitária e o fortalecimento organizacional e institucional das organizações de base, visando melhorar sua capacidade de incidência política, bem como o desenvolvimento de capacidades em gestão de projetos socioambientais.
Mais informações:
https://www.miqcb.org/fundo-babacu
Vídeo: Mulheres Quebradeiras de Côco Babaçú do Maranhão mostram sua experiência de resistência através da agroecologia.
Um vídeo de Agustin Kamerath: https://vimeo.com/44149593