GERAIZEIROS
O norte de Minas Gerais, formado por 89 municípios, é conhecido como Gerais e possui uma das culturas mais ricas do país. Ali moram os chamados geraizeiros, comunidades tradicionais que se concentram na região de transição entre o Cerrado e a Caatinga, dispersos pelo norte do estado, o segundo mais populoso do Brasil, mas também pelo oeste da Bahia, Tocantins e Goiás.
O Território Geraizeiro se localiza no norte do sertão de Minas Gerais e vem passando por processos de violações de direitos desde a década de 1970, com a chegada da monocultura de eucalipto na região, incentivada pelo Governo do Estado de Minas Gerais, que fez empresas de eucaliptos que invadiram as chapadas, áreas de uso comum dos geraizeiros, expulsando as famílias tradicionais de suas áreas. A região também é marcada por um processo escandaloso de grilagem de terras por empresas e latifundiários. Há tese de doutorado na USP que demonstra que cerca de 50% dos documentos de terras no norte de MG são falsos. As Comunidades Geraizeiras que são apoiadas e acompanhadas pela CPT fortaleceram sua organização e lutam para que possam garantir a permanência das famílias em suas áreas. Em julho de 2018, 73 Comunidades de Geraizeiros foram formalmente reconhecidas pela CEPCT’s (Comissão Estadual para o Desenvolvimento de Povos e Comunidades Tradicionais do Governo de MG) e de lá para cá a luta é para que o Governo de Minas Gerais faça a regularização fundiária do Território Geraizeiro que, injustamente, continua invadido por muitas empresas do agronegócio, de monocultura, carvoaria e mineração devastadora.
As Comunidades Tradicionais Geraizeiras que vêm tendo seus direitos violados de forma recorrente desde a década de 1970, desde 2012 também têm enfrentado a luta contra a mineração da mineradora Chinesa SAM (Sul Americana de Metais S/A), que pretende se instalar no território e usar a água que ainda resta para lavar minerio de ferro, construir um mineroduto do norte de MG até Ilhéus na Bahia e fazer a maior barragem de rejeitos minerários tóxicos do mundo.
Os geraizeiros foram reconhecidos pelo Governo Federal somente em fevereiro de 2007, a partir do Decreto Nº 6.040, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. No entanto, foi apenas em 2018 que os geraizeiros de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis, que se dividem nos núcleos Tingui, Lamarão e Josenópolis, receberam a Certidão de Autodefinição, concedida pela Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais (CEPCT-MG).
Mais que povos tradicionais, os geraizeiros são conhecidos como guardiões do Cerrado. Bioma marcado por um histórico de desvalorização e representações sociais negativas, considerado pobre e sem beleza quando comparado a outros biomas – consequência das razões conjunturais e da exploração dos segmentos dominantes da sociedade. As populações locais contrapõem esses significados sobrepostos a paisagem do gerais, com experiências e atividades cotidianas que comprovam a riqueza ecológica e mostram as possibilidades e potencialidades dos agroecossistemas, além do desenvolvimento de relações sociais e culturais específicas dos povos do Cerrado.
Tempos atrás, o território geraizeiro era conhecido como “terras livres”, porque não existia cercas e propriedades privadas. As terras eram de uso comum e os contornos de cada família e comunidade eram guardados apenas na memória. Os animais, o gado e os suínos eram criados soltos nas áreas de chapadas.
Grande Sertão Ameaçado #3: Quem são os geraizeiros que defendem o Cerrado?
No norte de Minas Gerais, onde a caatinga encontra o cerrado, ao norte de Belo Horizonte e ao sul da Bahia, está o Território Tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas. Nele, estão os geraizeiros, população nativa dos Gerais, descendente de negros, indígenas e europeus. Habitam toda a extensão da região, suas partes altas e baixas, conhecidas como chapadas e grotas. A família de Adelina Xavier de Moraes, mais conhecida como Dona Adelina, de 81 anos, é uma das 1.800 famílias de geraizeiros espalhadas por 73 comunidades que vivem no território, localizado entre os municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis. Dali, Dona Adelina nunca saiu para canto nenhum, e nem pretende. Nessas terras suas mãos já enterraram mãe, marido, filho. Mas também deram vida, em seu trabalho como parteira, a cerca de 100 crianças . Durante todo esse tempo, as mesmas mãos botaram e tiraram da terra o cultivo do alimento, em harmonia com os limites do cerrado. Do mesmo modo, Maria de Lurdes Soares Santos, de 75 anos, ainda cultiva a roça que aprendeu a cuidar desde pequena, junto às cantigas entoadas “em casa, na roça, quando estava a colegagem toda junta”, relembra.