Comunidades de Fechos de Pastos

As comunidades das quais estamos tratando, são comunidades tradicionais, aqui entendidas e classificadas como comunidades camponesas tradicionais de Fechos de Pastos, que agregam em seu modo secular de produção e de vida o uso de terras comunais, coletivas, chamados de “fecho” ou “gerais”, para criação de gado bovino e extrativismo de plantas medicinais e alimentícias. Salientamos, que há uma grande diversidade de atividades produtivas desenvolvidas pelas famílias camponesas destas comunidades, porém, o elemento central do modo de vida tradicional e da organização do território são as áreas coletivas, “os fechos”.

Nas comunidades de Fechos de Pastos o gado era solto nas fren – tes das roças, nas áreas de uso coletivo, terras comunais denomina – das pelas famílias camponesas da região como “os Gerais”. Grandes extensões de terras que iam das roças até as cabeceiras dos rios, fazendo divisa com os Estados de Goiás e Minas Gerais. Todas estas terras eram usadas pelas famílias camponesas para a criação de seus animais, não existindo limite. O gado aproveitava a pastagem nativa, mantendo o Cerrado em pé e pastava por onde queria. Por um ou dois meses, os donos dos rebanhos os traziam para as matas, as roças, para alimentá-los com um pasto diferente, pasto de cultu – ra que fornece uma alimentação com maior valor nutritivo e tinha a função de “tirar a areia do bucho” como falavam os criadores. Com o passar dos anos os criadores ampliaram o cultivo de pasto deixando o gado em média cinco meses nos “Gerais” e sete meses nos cercados de pastagens cultivadas, alternando o período de solta, baseado nas chuvas, no tempo necessário para o descanso dos pastos cultivados e da pastagem nativa. A grande maioria dos “Fechos de Pastos” está distante geograficamente das comunidades onde vivem os criadores e suas áreas individuais, em média de 10 a 80 km.

Os “Fechos” são resultado da forma de ocupação territorial na região pelos pequenos criadores, de enfrentamentos e lutas de resistência feitas pelos camponeses contra os grileiros e a burguesia agrária, impedindo-os de entrar nas áreas que a partir deste perío – do passam a ser fechadas, porém, mantendo a prática do uso cole – tivo da terra. Daí vem à origem da denominação “Fecho de pasto”. Ou seja, “Fecho” significa fechamento de áreas coletivas e “Pasto” está relacionada à pastagem nativa, vegetação. Os “Fechos de Pasto” são a forma viável de garantir a criação de animais de forma extensiva, a criação de gado sem o acesso às áreas coletivas estaria inviabilizada, assim como o extrativismo de frutas nativas, o uso das plantas medicinais, etc. Desta forma, o Fecho também tem o importante papel de manter o Cerrado, “os gerais” em pé, ao mesmo tempo que mantém a forma de ser e viver das famílias e comunidades camponesas da região. Está cada vez mais evidente que só existe área conservada na região Oeste da Bahia, nas áreas onde existem “Fechos de Pastos” das comunidades camponesas.

Reforçamos que no município de Correntina–BA, as áreas de Cerrado preservadas estão nos territórios pertencentes às Comu – nidades Tradicionais de Fechos de Pastos: as famílias camponesas que fazem uso dos fechos de pastos, são as responsáveis diretas pela conservação dessas áreas. A maior parte ainda preservada do território brasileiro é habitada com maior ou menor densidade por populações indígenas ou por comunidades rurais “tradicionais” – caiçaras, ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, caipiras, para as quais, a conservação da fauna e flora é a garantia de sua perenida – de (ARRUDA, 1999).

Cartilha “Comunidades Tradicionais de Fecho de Pasto e seu modo próprio de convivência com o Cerrado: história, direitos e desafios”, produzida pela Associação dos Pequenos Criadores do Fecho de Pasto de Clemente, de Correntina-BA.

Fonte: http://ispn.org.br/site/wp-content/uploads/2018/10/ComunidadesTradicionaisDeFechoDePastoESeuModoPr%C3%B3prioDeConviv%C3%AAnciaComOCerrado.pdf


Os camponeses das comunidades de Praia, Malhadinha, Jatobá, Bonito, Busca Vida e Catolés, no Oeste da Bahia, zona rural do município de Correntina, manejam uma área coletiva de quase 3,5 mil hectares para retiro bianual do gado bovino, extrativismo de plantas medicinais e frutos nativos para uso comunitário, além de coleta de mel.

No entanto, devido à morte de nascentes, incêndios e desmatamento do bioma Cerrado na região, destruição provocada pelas empresas voltadas ao agronegócio instaladas ali a partir da década de 70, a sociobiodiversidade do território e os modos de vida da Comunidade Tradicional de Fecho de Pasto de Clemente se encontram ameaçadas.

Essa situação, aliada aos efeitos das mudanças climáticas, com a irregularidade das chuvas e o aumento da temperatura, causou alterações na forma tradicional da comunidade desenvolver os seus cultivos e abastecimento dos mercados locais, inviabilizando a prática tradicional da agricultura camponesa.

“Tínhamos cultivos em abundância, como feijão, arroz, mandioca, cana-de-açúcar, banana, manga, milho, hortaliças, criação de gado, galinha, porco, cabra, ovelha, os quais eram feitos em área de sequeiro e irrigados através de canais de regos”, relata Elizete Carvalho, da Associação Comunitária dos Pequenos Criadores do Fecho de Pasto do Clemente (ACCFC). “Atualmente, esses cultivos estão em menor quantidade, pois tivemos muita perda da produção devido às estiagens, bem como perda de alguns canais de irrigação por conta da secagem de vários riachos e do Rio Arrojado. Além disso, as doenças nas plantações são inúmeras”, completa.

Para enfrentar esse contexto, com o apoio do DGM Brasil, desde 2017 a ACCFC está à frente do subprojeto Guardiões do Cerrado em Pé. Por meio da iniciativa, a brigada comunitária foi capacitada e já combateu com vitória seis focos de incêndio em vários fechos de pastos do Vale do Arrojado, protegendo nascentes, córregos e veredas, e assegurando condições de reprodução do modo de vida camponês na região.

“O objetivo é garantir que a área coletiva do Fecho de Clemente seja monitorada e manejada de forma sustentável, com o Cerrado em pé e livre de incêndios criminosos e irresponsáveis”, comenta Elizete Carvalho. “No último período de estiagem, graças ao apoio do DGM Brasil, pudemos comemorar, pois não houve nem um incêndio e nem um tipo de invasão, ao contrário de períodos anteriores”, completa.

Envolvimento das comunidades

Ainda no âmbito do subprojeto está prevista capacitação com as famílias do Fecho de Pasto e mais três fechos vizinhos, oficinas de capacitação sobre educação ambiental, primeiros socorros, manejo de fogo e combate a incêndios, plantio de mudas de árvores nativas, coleta de sementes, plantio de sementes de árvores nativas.

“As expectativas com o DGM Brasil são grandes no sentido de continuarmos defendendo o uso sustentável do Cerrado, mantendo-o em pé, fazendo o seu uso sustentável. E, ao mesmo tempo, proporcionar formação, diálogos com comunidades vizinhas, a fim de reforçarmos o cuidado com o nosso bioma, nossos territórios, em consonância com a qualidade de vida das famílias das comunidades envolvidas”, aponta o coordenador do projeto, Eldo Barreto. “Dialogar e desenvolver práticas sobre manejo de fogo, combater incêndios, criar parcerias e alianças entre os membros das comunidades, para que juntos possamos usar o fogo ao nosso favor e não para destruir a nossa rica biodiversidade”, acrescenta.

As ações empreendidas pela ACCFC no âmbito do subprojeto Guardiões do Cerrado em Pé beneficia diretamente mais de 130 pessoas, sendo 51 jovens e 31 mulheres. De forma indireta envolve mais de 500 pessoas.