Poesia

Cerrado - Luciano Spagnol

À sombra do pequizeiro
Delirei a vida a sonhar
No uivo do guará faceiro
Chora o meu recordar

Nos galhos tortuosos
Brotam as saudades
De cheiros maravilhosos
De infância, alacridades

Tem gosto de gabiroba
Aridez do sol a rachar
Vigor doce de mangaba
Buritis a nos sombrear

Constrói o João de barro
Nostalgias em todo lugar
O vaga-lume tão bizarro
Ilumina o meu poetar

O horizonte é sem fim
Onde põe a lua a repousar
Lobeiras talham o jardim
Das savanas a enfeitar

A arapuá em sua cabaça
Ornam o beiral do passado
Ipês em flor pura graça
Desenham o meu cerrado…

Rio, 22/03/2011.

Do Planalto - Luciano Spagnol

Ó horizonte além do olhar atento
Onde agacha o sol na tua entranha
Escondendo o dia a teu contento
Rajando de rubro o céu que assanha

Chão de encostas e poeirado arbusto
Tal qual a composição de um verso tosco
És dos pedregulhos e riachos vetusto
De robusto negalho (cristal) luzido e fosco

Daqui se vê o céu com mais estrelas
Que poetam poemas que a ilusão cria
Debruçadas com a emoção nas janelas
De contos e “causos” que pela noite fia

Eu sou cerrado e sua rude serenidade
Eu sou da terra, e a terra é para mim
Dum canto que não tem início, metade,
e nem fim.

Cerrado do Goiás - Luciano Spagnol

O cerrado é um desalinhado que espanta
Deixa maravilhado quem passa por aqui
Pois nem ele sabe o tanto que encanta
A todos que vem e provam do seu pequi
Ah! Se eu pudesse lhe dizer de tua beleza tanta
Todos quereriam ser daqui…
SPAGNOL, L. (2011) O Cerrado… In: Luso Poemas. Disponível

Ipês do Cerrado - Lande Bomfim

Umidade pouca no ar campestre

Árvores secas, ipês se despem
Esta é a paisagem do nosso cerrado
Cercado de águas emendadas
De nascentes, cachoeiras,
Encadeados pelo mais belo pôr-do-sol e luar
Que em outro lugar não há.
E temos ainda muitas sucupiras
Pequizeiros e Jatobás
Que com força e resistência da natureza
Estão sempre a desabrochar
Na primavera os ipês
florescem em meio ao campo não plantado
E traz uma magia e fascínio
Uma dádiva da natureza
Ao nosso encantado cerrado.
Flores de vida pequena
no meio da seca, de tanta aridez
Em outubro cai a chuva novamente
Nos planaltos e planícies
Reavivam o verde-louro do capim dourado
E amanhecemos com o canto da Juriti, do sabiá e bem-ti-vi
E é assim também nossas vidas
Amores que explodem
Mas que são curtos
E se vão deixando lembranças
Momentos inesquecíveis
Paixões que foram flores, amarelas, roxas, lilás
No cerrado dos nossos corações
No imenso vazio da saudade

 

BOMFIM, L. Lande Bomfim [Biografia]. In: Site de Poesias.

Disponível em: https://sitedepoesias.com/poesias/45096

O Cerrado - Antonio Miranda

Antes era o Cerrado

desterrado

no planalto insondável

ou indomável,

era a vastidão ondulante

e enorme. Inescrutável.

 

Informe a terra aos seus desígnios,

buritis errantes sobre os ermos

charcos isolados,

plantados sob nuvens passageiras.

Nuvens como plumagens derradeiras

chovendo a intervalos.

 

Interstícios, vestígios vegetais.

 

Redemoinhos elevam-se

nos horizontes minerais

sinais montes trilhas.

Jamais.

 

Um resto de umidade

no ar,

flores secas

queimadas

lambendo horizontes

reiteradamente.

 

Do alto desde Planalto Central

mil vertentes, entranhas,

cavernas de luzes escondidas,

animais.

 

Dessas águas emendadas

nas direções dos pontos cardeais

em demanda de todos os brasis.

Infinitos.

 

Riachos temporários, subterrâneos,

Pedregosos, resvaladouros, solitários.

Solo de bandeirantes,

retirantes.

 

Dos encontros impossíveis,

das monções e entradas ancestrais,

dos refúgios e abandonos.

Haveremos de rever

a sua rochosa ossatura,

registros prematuros de Varnhagen.

Visões e revisões

Geopolíticas.

Sertões.

 

Nesses paralelos de mel e de leite

da Terra Prometida.

Nos confins de serras cristalinas,

meridianos estivais,

paisagens marinhas de artifícios,

como ondas petrificadas,

sacrifícios.

Passagens nacionais

em todas as direções:

tropeiros, mascates,

garimpeiros.

Passa um, passa boiada,

passa tempo

cavalhada

cavaleiros coloniais.

Goiás. Brasil.

 

De CANTO BRASÍLIA. Brasília: Thesaurus, 2002.

Joias Vegetais - Paulo Robson de Souza

É só saber
verificar
que muitas joias nascem em tosco lugar.

 

Repare que
fenomenal:
joias florescem em todo o Reino Vegetal.

 

Eu nunca vi tanta beleza numa orquídea
que se lapida com a umidade e pouco sol
e a caliandra escondidinha no cerrado
é um sol avermelhado como brincos de farol.

 

Quanta beleza vi na tal da “langsdórfia” —
flores que crescem das raízes de outro ser —
As flores fêmeas são um brinco encarnado,
tão bonito feito o macho, rente ao chão no entardecer.

 

Na lama podre, quem diria, há outra joia
de “pelos” rubros, que cativam o animal.
É a linda drósera que lembra uma tiara
dessas ditas joias raras que florescem no coval.

 

As açucenas são tão brancas e cheirosas —
dentro do brejo nasce o fofo tegumento…
Tão puras jóias certamente deveriam
enfeitar, encher de glória o mais fino casamento.

 

Em meio à galharia torta do Cerrado
nasce uma beleza de pendão, um castiçal
de prata pura com milhares de florzinhas…
É o tal do “pepalântus” enfeitando o capinzal.

 

Eu nunca vi tanta beleza reunida
num só lugar a diversidade se estica:
são tantas cores, tantas formas, tantas joias —
acho que por isso chamam a região de Costa Rica.

 

Sucuriú é um colar, um fio de prata
com mil brilhantes a brotar dos paredões.
Um rio que guarda um montão de contas verdes
num lugar desconhecido e conhecido por Bolsão.

 

Xote dedicado à professora Tereza Cristina Stocco Pagotto

O Urutau - Paulo Robson de Souza

Com seus olhos semiabertos
para a luz, bico empinado,
Urutau falou, de um galho,
dormindo meio acordado:
– Essa briga é porque o mundo
está desorganizado.

 

– Cada qual com seu papel!
Todos têm o seu valor!
Todos são nobres e sábios.
É bonita toda cor!
Não existe tolerância
quando não existe amor.

 

– Organizando a bagunça:
Buriti pra canindé,
pro pica-pau: bocaiuva;
angico pro caburé.
E pra grande ararauna,
manduvi será chalé.

 

– E se o tronco for o mesmo
disputado por vocês
numa mesma primavera,
é preciso sensatez.
Se não chegou a sua hora,
então, que espere a sua vez.

 

O Urutau é um trecho do cordel Os Reis do Pedaço, publicado no livro Poesia Animal, da Editora UFMS. 

 

Duas estações - Paulo Robson de Souza
Cerrado - Elomar Figueira Mello

Cerrado de gado brabo

nuves da cor de guede

cás boca d?istambo imbruiada

barrão de fogo alevantado

Pé-seco e os anjo na rede

armada na incruzilhada

sete anjin morto de sede

horas morta madrugada

tatú-peba cumeu as mágua

qui chorô na mamona do oro

pelos banco da meágua

as alma de Chico Bizoro

inhambado in pat?oba

vistiu cum gibão dos coro

das anca da besta-boba

e cuspiu fogo dos olho

Uriinha do São Juaquim

Lubizome e Boa-Tarde

malungo cum Mão-Pelada

in sete légua de camin

e véve a fazê latumia

pra quem é de compra medo

num arroto nem peço segredo

tomém num é pur subirbia

Apois eu vi isturdia

lá na Lagoa Fermosa

me rupia o corpo inteiro

eu te arrenego arma pantariosa

eu te arrenego e arrequêro

apois sim pois bem fui campiá

muito dispois das ave-maria

?as cabra veaca qui todo dia

iscapulia pras banda de lá

foi cuan eu vi na bera da aguada

um bando abolco de alma penada

inquanto ?as midia otras custurava

dum lado ?as gimia já otras chorava

rismungan qui era os peso e midida

os retai dos pan qui cuan in vida

tomava pra cuzê e cum o alei ficava

Nas minha andança dent dos serrado

já vi coisa do invisive e do malassobrado

coisas de fazê arripiá os cabelo

minha mãe me insinô

qui o dismazel

a sujera e o dismantel

tombém é pecado

contô qui há muito na Lagoa Torta

morava ?a mulé, falo in vida da morta

dismantelada dos pé té os cabelo

cuns dente marelo e os vistido rasgado

varria a casa catano os farelo

té a cachuera ispindurô pendente

presa na pedra sem caí no vão

tudo in memora da hora inselente

qui hai toda noite derna criação

Nas minha andança dent dos serrado

já via coisa do invisuve e do malassobrado

Oras viva e arriviva

gorda e forra a Fragazona

in pinicado de Sanazo

cum as tinha qui do calunga

na quadra da pedra uma

na toca do Lubião

nas loa do sapo-sunga

in pinicado de Sansão

imprecavejo muit? inconive

já vi coisa do invisive

visage e latumia

pantumia e parição

de quem tá morto e quem vive

istripulia de Rumão

e adispois amuntuava o cisco dum lado

?a certa noite essa mulé

qui é morta

foi jogá o cisco

cuan abriu a porta

deu cum bich qui ach

qui era o Cão

apois trazia ?a pá de lixo

e um ferrão na mão

naquela hora nada lhe valeu

só teve tempo de soltá um grito

valei-me São Binidito

tremeu feiz um fiasco

cai baten os casco

bateu no chão e morreu

Nas minha andança

dent dos serrado

já via coisa do invisuve e do malassobrado

D?a certa feita lá no Ventadô

adonde o vento foi fazê a volta e num voltô

assucedeu qui o sol me logrô

e eu tive qui drumi

donde o rebãin maiô

pela mea noite alevantei da rede

turduada c?a sede

qui quaje me mato

fui bebê água perto na aguada

ia mais discunfiada qui bode pastô

cuano cheguei perto

foi qui dei pur fé

fiquei toda ripiada da cabeça aos pé

apois lá dibaixo do imbuzero do miau

topei Chico Niculau

mais Manezim Serradô

Eu vi Naninha sentada

pidino ismola

cujos difunto nas viola

cantava uns canto de horrô

voltei corren olhan prá traiz e benzeno

cuan cheguei é qui fui vê

qui minha sede passô

Nas minha andança dento dos serrado

já vi coisa do invisive e do malassobrado

Cuano os cristão reposa

cuando drome os crente

iantes d?alevantá das cova

os ser osente

as coisa toda morna in preparação

pru sono curto qui dura um repente

toda mea noite na hora inselente

do tempo e o vento e toda criação

já vi ?a noite apois ela num mente

parô os ramo as fôia no capão

cigarra grilo cururu rodão

cobra jibóia cascavé serepente

lambú três-pote mãe-da-lua cancão

tatú mucüin toda alma vivente.

Até a cachoeira espindurou pendente

Presa na pedra sem cair no vão

tudo em memória da hora inselente

que hai toda noite desda criação

nas minha andança dentro do cerrado

já vi coisa do invisive e do malassombrado

horas viva e arreviva

gorda e forra a sagra foma

pinincando de sansão

na quara da pedrauna

na toca do lambião

nas loas do sapo sunga

impinincado de sansão

imprecavejo muito inconive

já vi coisa do invisive

visage e latumia

batumia e parição

de quem tá morto e quem vive

estripulia de rumão.

Existência poética - Ana Mumbuca

Vidas poemadas

Poemas são sopro existencial

Existe vida que dança

Na dança da vida 

 

Como pássaros voantes caminho para os altos

Como raiz das sementes do Cerrado

mergulho profundo no chão

Somos a existência infinita da passagem por aqui

Sou quem sabe amarrar e soltar

Apropriada de nós

Gozando com a dor e na dor

 

Sou um pedacinho de muitos

Sou quem caminha e vira o caminho

Eu sou pelo que fomos

Para além do que fizeram com nós