O casamento dos Buritis
O garoto buriti
Sonhava em crescer bastante
Encontrar a sua amada
E, no anual rompante,
Espalhar-se nas veredas,
Formar seu lindo semblante.
Na lagoa de águas mornas
Crescia todo encharcado,
Sonhando em ter o mais belo
Cacho de flores dourado
Durante as águas de março –
O mais belo do Cerrado.
Um cacho formoso, longo
Como loura cabeleira
Balançada pelo vento
Na paisagem brasileira.
Cacho de flores miúdas
Mas bastantes, lisonjeiras.
Queria multiplicar
A sua bela utilidade
Produzindo descendentes
Úteis à posteridade –
Juntos, demonstrando a força
Desta coletividade.
Ser Grande Buritizal
De um tal Córrego da Prosa
Ser a parte grande de um
Grande Sertão, todo prosa –
Ser cenário do romance
Do grande Guimarães Rosa.
Generoso, bem queria
Fazer, nos bichos, carinho…
Com sua sombra saborosa
Dar abrigo aos passarinhos,
Ser casa de lagartixas
Tornar-se cheio de ninhos.
Sonhava em ter as alturas
Lamber, no céu, as alvuras…
Ser o caminho das águas
Do céu, do rio que murmura…
Ser, de longe, o indicativo
Do lugar das águas puras.
Dar um gostoso palmito,
O vinho de buriti,
Precioso artesanato…
Além disso, ser daqui
A mais bela das palmeiras
Desde o tempo dos tupis.
Entrementes, num riacho
Não muito longe dali
Sonhava esses mesmos sonhos
A menina buriti.
E dizia: “Onde estará,
Plantado, meu curumi?”
Suas folhas – grandes leques
Dando vida e voz ao vento –
Sonhavam ser a coroa
De perfeito caimento
Sobre o majestoso estipe
Segurando o firmamento.
Sonhava mais, dadivosa:
Dar ao povo e à bicharada
Cachos de cocos castanhos
De polpa rica, dourada…
Dar óleos, doces, sorvetes,
Farinhas vitaminadas.
Dar-se, inteira, sem bravata:
Ser flor e fruto, comida
Da ararinha manilata
E o tronco oco, guarida
Dos seus ovos cor de nata,
Ressemeando outras vidas.
Ambos sonhavam, enfim,
Ser, pra sempre, bem casados
Pelos polinizadores
Que trazem o pólen dourado…
Ter mais de mil descendentes
Mesmo em “quartos separados”.
Crescido, o buritizal
Prover profícua linhagem,
Ser uma caixa d’água viva
Pra ser gasta na estiagem.
Ser algo que não tem preço:
Um colírio – a paisagem.
E, reinando nas veredas,
Aninhar o andorinhão,
Ofertar, da palha, a seda
Aos índios, aos artesãos.
Segurar o negro e rico
Sedimento e a inundação.
Ver as falsas andorinhas
Entrando em suas folhas mortas
Como se fosse um pombal
Bem alto, imenso, sem portas,
Perscrutando o céu profundo
Que suas asas finas cortam.
No seu senso de abrigar,
Ser uma residência plena,
Ver repletos seus andares
De seres – diversas cenas:
No térreo, bichos do chão;
Nas copas, bichos de pena.
No seu senso de manter
Os processos naturais,
Suas raízes: um filtro
Pra reter os minerais,
Dando plenas condições
Para vários vegetais.
Sendo, enfim, buritizal,
Ver a riqueza da flora
A brotar nos seus domínios –
A que adornava as auroras
Rubras do Córrego da Prosa
Da Campo Grande de outrora.
Porém, antes disso tudo
Vieram dragas, trator,
Avenidas sem sentido,
Contra o Plano Diretor;
As barragens nas nascentes,
A cultura sem labor,
O riacho assoreado
E os grãos de falso valor.
Fim de um sonho, de certezas
Ante a ganância e o mal.
Nenhum casamento houve –
Nem pensar, buritizal:
Ele pereceu sonhando,
Ela morreu no final.
Um desejo factível
Mas que foi adormecido.
Isto tudo aconteceu.
Isto tem acontecido.
O sonho que nunca foi
Mas deveria ter sido.
Referências:
(Do livro Síntese de Poesia, que integra o material paradidático Coleção valorizando a biodiversidade no ensino de botânica, Editora UFMS, 2006, organizado pelo autor).
Acesso ao blog de Paulo Robson em: 15/06/2021 Disponível em: http://paulorobsondesouza.blogspot.com/2012/06/o-casamento-dos-buritis.html