Juão de Fibra
João Gomes da Silva (seu verdadeiro nome); nascido em Varjota-CE, a trajetória desse artesão segue os rastros do fluxo de migrantes nordestinos que chegaram fugidos da seca ao Distrito Federal, em busca de novas oportunidades no planalto central. Vive no bairro Pedregal, em Novo Gama-GO
“A minha mãe fazia chapéu lá no nordeste, com palha de carnaúba, fazia peneira, essas coisas com palha. Ano passado estive no Ceará, fui onde a minha mãe nasceu e viveu para saber um pouco da história. Fui coletar um pouco das memórias da minha mãe para entender por que eu vim assim ao mundo. Eu descobri que a nossa família vem de uma linhagem de artesãos ligados às fibras e à tecelagem. A minha mãe era artesã e o meu pai pescador artesanal. Então, de certa forma, o meu pai também era um artesão, mas da natureza”, diz João.
O artesão lembra que, ainda muito novo, espontaneamente, coletava pedras e as esculpia, e, com 13 anos de idade, já transformava cipós em guirlandas e folhas em flores: “Eu quando me vi artesão, já era artesão”, conta. Aos 20 anos de idade, a vida de João Gomes se cruza com o caminho de Dona Antônia Lopes de Oliveira – à época presidente da Associação dos Artesãos do Gama – a quem reputa ser uma inspiração e grande mestra. Dona Antônia dominava a técnica de trançado com o capim colonião, conhecimento trazido do tempo em que vivia em Garanhuns-PE: “É como se tudo o que eu faço eu devesse a ela, de alguma forma ela veio primeiro do que eu, e de, alguma forma, essa técnica desapareceu em Pernambuco, porque não existe lá, e agora existe aqui no entorno e DF, porque ela trouxe”, afirma o artesãos.
Antes de alcançar o reconhecimento que hoje desfruta como mestre, o artesão enfrentou dificuldades financeiras e estigmas típicos da atividade artesanal, que muitas vezes não é compreendida como uma profissão.“Eu era visto como uma pessoa vagabunda, como uma pessoa que não queria nada com a vida. Eles achavam que eu era louco. Houve uma época que a frustração foi tão grande que eu tinha um quarto cheio de objetos de arte que tinha feito e com matéria-prima e tudo; Quando eu me revoltei coloquei tudo no quintal, aqui mesmo nesta casa, fiz uma montanha de tudo que tinha, tudo que me lembrava da vida do artesanato, e queimei, toquei fogo e chorei em volta desse fogo. Ia chorando e lastimando a minha profissão, como uma profissão amaldiçoada”, conta.
Depois desse episódio, o artesão passou cinco anos longe das suas fibras, trabalhando em um cargo público na administração da sua cidade, até que uma de suas peças foi parar na Secretaria do Trabalho e Emprego do Distrito Federal. A partir daí, ele foi novamente convidado para expor seu trabalho e dessa vez passou a trilhar um caminho sem volta. “Eu sempre costumo dizer, quando a gente caminha a gente deixa rastros”, avalia. A conexão com uma série de agentes, pessoas e instituições, como o SEBRAE, o Ministério de Ciência e Tecnologia, a Rede Artesol, o Centro de Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasília e o Museu Casa projetaram o trabalho de João Gomes nacionalmente e lhe conferiu outro status.
Além da sua produção artesanal, para fins de comercialização, João Gomes forma vários grupos produtivos através de consultorias em todo o país, contribuindo para a salvaguarda da técnica e a respectiva difusão do conhecimento, principalmente voltada para a população jovem. Ele promove, assim, intercâmbios de saberes entre diversas regiões, levando inovação, para o contexto da criação do objeto artesanal de outros artesãos e artesãs. Mas, afinal, quem diz quem é um mestre? Ser mestre é ostentar um título? João Gomes, ao longo da sua carreira, colecionou títulos de mestre emitidos por diversos Estados e municípios brasileiros. No entanto, o artesão argumenta ser esta uma condição que ultrapassa a solenidade do reconhecimento oficial. “Porque dizem que mestre é aquele que repassa, então eu faço isso já há muitos anos”, afirma.
Fonte: https://www.artesol.org.br/conteudos/visualizar/O-cerrado-em-tramas-nas-maos-do-Mestre-Juao-de-Fibra
“A natureza era abundante, tinha muitas matas, muitos córregos, muita vegetação nativa, muitos animais, fauna e flora eram perfeitas. Então fui criado aqui nesse meio, nesse cerrado… e foi com esse cerrado que despertou em mim o senso de artesão”, diz João.
Valendo-se, principalmente, desse capim colonião e da fibra de buriti, João Gomes colhe manualmente a própria matéria-prima, aplicando técnicas de manejo sustentável, com respeito à sazonalidade das espécies e ao reflorestamento da vegetação. Além disso, o artesão observa que o capim, abundante às margens das rodovias, funciona como uma barreira de proteção natural, filtrando a poluição, impedindo que outros resíduos – como óleo e borracha – adentrem ainda mais severamente o cerrado. Por isso, preservar o capim é uma forma de contribuir para a sustentabilidade do bioma.
Ao longo dos últimos anos, além de participar de várias exposições e feiras pelo Brasil, o mestre ganhou um livro sobre sua história, teve suas peças utilizadas em ambientações sofisticadas como a do evento CasaCor e Casa de Alessa, ganhou páginas de publicações reconhecidas como a Revista Casa Vogue.
João figurou também entre os melhores artesãos do Brasil no catálogo elaborado pelo Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro de 2017 e foi homenageado na maior feira de artesanato da América Latina, a FENEARTE, em 2018. O trançado de João Gomes ainda transpôs fronteiras através do diálogo com o design contemporâneo em coleções de marcas nacionais como a Lokalwear e internacionais como a Osklen.