Lêda Watson

As gravuras de Lêda Watson trazem, segundo os críticos, a influência da vegetação distorcida do cerrado com a abstração do céu do Planalto Central. Desta forma, poderíamos dizer que ela torna o concreto abstrato e o abstrato, concreto.
Enquanto as crianças da sua idade preferiam as brincadeiras de casinha e de bonecas, ainda menina, ela já brincava de fazer vernissage. Não é exagero algum afirmar que a arte está no seu sangue, ou como preferimos hoje, no seu DNA. Neta de arquiteto e pintor italiano radicado no Brasil, sobrinha de pianista e de professor de artes, Lêda Watson desde pequena se acostumou a freqüentar as exposições, galerias de artes, a tomar gosto pela arte. Hoje é uma referência internacional na arte da gravura.

 

Na França, Lêda Watson pode aprimorar sua técnica com o renomado gravurista Johnny Friedlaender.

 

Jovem, deu início a seus estudos na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Mas a paixão pelas artes foi derrotada pelo amor a Sérgio da Veiga Eatson, que a fez abandonar a Escola de Belas Artes no terceiro ano do curso e se mudar para Suíça. O casamento com um diplomata brasileiro,contudo, abriu um mundo de oportunidades e contatos com culturas diferentes que ajudará a aperfeiçoar o dom que já carregava desde menina, quando se entretinha com cavaletes, pincéis e telas. Em 1966, teve os primeiros contatos com a gravura, na Escolinha de Belas Artes do Brasil, na antiga Guanabara, com o mestre Orlando Dasilva.

No exterior, estudou na École Nationale de Beaux Arts-Sorbonne, em Paris e se especializou-se em gravura em metal no atelier do renomado Johnny Friedlaender, pintor e gravurista francês da chamada Nova École de Paris e cujas as obras têm por característica a mescla do abstrato com elementos alusivos à realidade. Estilo que, arriscamos afirmar, influenciou o trabalho de Lêda Watson.

 

 

Lêda Watson é, assim, uma das gratas surpresas que a transferência, na década de 1970, dos servidores públicos do Rio de Janeiro para Brasília proporcionou a esta cidade, colocando Brasília no mapa internacional da gravura.

Como arte-educadora, ministrou cursos de gravura em metal e palestras mundo afora: em Lima, Peru: Manágua, Nicarágua, São José de Costa Rica, Caracas, Venezuela;e na Cidade do Panamá, dentre outros locais.

O interesse pelas artes desde cedo e sua trajetória artístico-profissional permitiram a convivência com grandes nomes da arte brasileira, tais como Marina Colassanti, que foi colega de escola, Athos Bulcão, Rubem Valentin e tanto outros. E o melhor de tudo isso, é que Lêda, como professora da Universidade de Brasília, ou em seu atelier, transmitiu a gerações e gerações de novos artistas a sua arte.

A contribuição de Lêda ao mundo cultural de Brasília vai além. Em 1985, criou o Museu de Arte de Brasília – MAB. Além disso, graças a sua expertise, duas plantas da cidade do Rio de Janeiro, datados de 1808, quando da chegada da família real ao Brasil foram recuperados. As chapas de cobre, com 3 mm de expessura e medindo 94 cm x 64 cm, entalhadas com o uso de buril destinavam-se a impressão dos mapas e estavam no Museu da Imprensa Nacional, criada por Dom João VI, quando aqui chegou. As chapas nunca haviam sido reproduzidas.

 

Gravura “A Folha”, de Lêda Watson

 

Para explicar o trabalho de Lêda Watson são necessárias duas etapas: uma para focar a técnica e outro o estilo. Ao contrário de outros artistas plásticos, que tem a tela e o pincel como base de trabalho, a gravura tem a chapa de metal e o buril (uma espécie de formão – se é que eu posso afirmar isso), com o qual se trabalha na marcação das chapas de metal e que servirão de matriz para reproduzir em papel as gravuras.

Na verdade, o gravurista trabalha uma matriz, um clichê, como se fosse um carimbo, que será o ponto de partida para a reprodução das gravuras.

Bem ninguém melhor do que ela mesmo para explicar o que é a gravura.

 

Gravura “Fragmentos”, de Lêda Watson

 

“Arte de formar por meio de incisões e talhos, ou fixar por meios químicos, em metal, em madeira, em pedra, imagens em baixo ou alto relevo, para registro de uma imagem (como no início da história humana) ou para reprodução e multiplicação através de entintamento e estampagem, manual ou mecanicamente, em papel ou outro material.”

Recorro aqui a outro especialista para descrever o trabalho de Lêda Watzon, Bené Fonteles, que ao visitar uma exposição dela não conteve suas emoções. Escreveu ele: “A sensação da visita traz a presença de seres imaginários numa fábula nunca a mim contada. Seres que nos invadem mais a alma que a mente, e me fazem possuir uma nova forma de ver e de pertencer ao mundo. Suas gravuras grávidas deste fabulário fantástico estão carregadas da organicidade, onde a simbiose da flora e da fauna do estranho humanizam a paisagem e trazem uma outra compreensão e recriação da natureza nunca dantes vislumbrada na gravura brasileira.”

 

Na gravura “Outono”, de Lêda Watson, as marcas da natureza do cerrado.

 

Sérgio Rouanet acredita que este fabulário fantástico, a que se referiu Bené Fonteles, devem ser fruto das caminhadas e acampamentos noturnos que Lêda e seu Marido faziam nos cerrados de Brasília. “Não seria nesses passeios que ela aprendeu a amar o céu de Brasília e a conhecer de perto a natureza do Planalto Central? Não seria a lembrança dessas excursões em que ela estabeleceu contato imediato com a vegetação do cerrado, que teria entrado em sua arte, toda ela feitas de folhas, galhos entrelaçados, raízes? É uma arte orgânica, vegetal, através da qual perpassam, sobre um fundo policrômico” – escreveu o ex-ministro da Cultura, Sérgio Rouanet.

 

Gravura “Remanso”, de Lêda Watson

 

Essa também é a visão do gravador, ilustrador e desenhista, Lívio Abramo, que, em 1981, proporcionou a primeira exposição individual de Lêda Watson, no Paraguai.

Para ele, a trama das imagens produzidas pela gravurista é transformada em arabescos que afastam da figura humana sem se poder dizer que sua arte seja abstrata, do modo em que sentimos pulsar nela, difusa, mas perceptível, a vida do homem, da terra, das árvores, do infinito que tudo abrange.

“Muitas destas gravuras nos recordam – e cremos que são o resultado de uma interpretação subjetiva dessa natureza de parte da artista – as terras do Brasil Central, mais propriamente o “cerrado cuiabano”, cuja hirta e hostil flora tanto se afina com as linhas dramáticas e até dolorosas destas estampas” – comentou o artista plástico.

 

Fonte: Chico Sant’Anna. Você conhece os artistas de Brasília? Conheça aqui as gravuras de Lêda Watson. Disponível em:

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