Soluções
De pé, o Cerrado vale mais. Proteger as áreas de Cerrado que ainda existem é garantia de água, alimentos, medicamentos e tantos outros benefícios. Apenas 8,21% da área total do território é legalmente protegida com unidades de conservação; uma das razões que fazem do Cerrado o bioma brasileiro que mais sofreu alterações com a ação humana. As soluções para a conservação do Cerrado interessam a todos os brasileiros e passam por manutenção e adoção de políticas públicas com foco na região.
Como afirma Rafael Loyola (2017): “O Cerrado brasileiro é único, sobre diversos pontos de vista. Para salvá-lo não precisamos reinventar a roda. Todas as políticas públicas necessárias para fazê-lo já existem e carecem de integração, planejamento, impulso ou extensão ao Cerrado (algumas delas só existem para a Amazônia). O que precisamos é de vontade política e engajamento social. O Cerrado é um patrimônio brasileiro e cabe a nós mantê-lo vivo para as nossas e as futuras gerações”.
Em termos políticos, antes de mais nada, é fundamental que o bioma seja definido como Patrimônio Nacional. Uma demanda antiga que vem correndo pelo Congresso Nacional desde 1995, quando foi colocada em pauta uma proposta de emenda que incluiria na Constituição de 1988 o Cerrado como Patrimônio Nacional, junto com outros biomas brasileiros (PEC 115/1995). Tal medida consagraria sua conservação como de interesse público, reforçando que deveriam ser enviados esforços para que sua ocupação seja norteada por critérios que garantam o desenvolvimento sustentável. Em 2003, ainda não aprovada, a PEC foi reformulada de modo a incluir também a Caatinga (PEC 51/2003). Em 2009 (PEC 05/2009) e em 2010 foram feitas novas tentativas (PEC 504/2010).
O Cerrado é considerado o Berço das Águas porque é a região que abriga os três maiores aquíferos que abastecem o Brasil e países vizinhos: Guarani, Bambuí e Urucuia. A Caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro e ao contrário da imagem propagada de isolamento e solo rachado, ela abriga uma diversidade de espécies importantes para o equilíbrio ambiental.
Apesar de serem tão estratégicos para a nossa própria sobrevivência, mais da metade da vegetação nativa do Cerrado e 46% da Caatinga já foram desmatadas! Além disso, os biomas ainda não possuem o status de Patrimônio Nacional. Uma das consequências mais visíveis é a falta d’água. As crises hídricas do Sudeste e do Centro-Oeste, que tiveram seu ápice em 2014 e 2015, são resultados desse desmatamento. Se não forem transformados em Patrimônio Nacional como os outros biomas, o Cerrado e a Caatinga continuarão sendo desmatados sem maiores implicações legais e jurídicas.
No dia 11 de setembro de 2019, Dia Nacional do Cerrado, foi entregue uma petição ao Congresso Nacional com mais de meio milhão de assinaturas para a aprovação da PEC 504/2010, que transforma o Cerrado e a Caatinga em Patrimônio Nacional. Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, recebeu a petição pelas mãos da deputada Joenia Wapichana. Mais cedo, durante o Seminário do IX Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, promovido pela Rede Cerrado, que também aconteceu na Câmara, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado havia entregue o caderno de assinaturas à Joenia e outros parlamentares presentes.
Em ação coletiva dentro da Câmara dos Deputados, também foi realizada a entrega da petição durante sessão da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Os deputados Rodrigo Agostinho, presidente da Comissão, e Nilto Tatto, coordenador da frente parlamentar ambientalista, receberam as assinaturas da liderança quilombola Maria de Fátima Barros, que representou a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.
A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado agradece a cada uma e a cada um que assinou a petição e uniu sua voz em defesa do Cerrado:
https://www.youtube.com/watch?v=QAiIS_FsJIk&feature=emb_logo
A entrega da petição com mais de 560 mil assinaturas foi um marco na trajetória da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, que atua desde 2015 para alertar e conscientizar a sociedade sobre os impactos causados pela destruição do bioma no Brasil. Mais de 50 organizações e movimentos sociais fazem parte da iniciativa, que agora seguirá pressionando os parlamentares e a Câmara dos deputados para aprovação da PEC que garante ao Cerrado e a Caatinga o título de Patrimônios Nacionais.
Recomendações:
– Políticas de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade
ALCANÇAR a proteção de pelo menos 17% do Cerrado, de acordo com as Metas de Aichi da Biodiversidade (Meta 11), priorizando as unidades de conservação de proteção integral.
PRIORIZAR a regularização fundiária e a estruturação das unidades de conservação de proteção integral e de uso sustentável, aproveitando a aplicação de recursos de conversão de multas e compensação ambiental.
PROMOVER os processos de demarcação e homologação de Terras Indígenas, a titulação das posses de agricultores familiares e os direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais, por meio da criação de Reservas Extrativistas (Resex), Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), de Assentamentos Sustentáveis Diferenciados, e das Concessões de Direito Real de Uso (CDRU), entre outros mecanismos de regularização fundiária, integrando-os em estratégias mais amplas de conservação em escala de paisagens, fortalecendo os mosaicos de áreas protegidas.
AMPLIAR a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas (PNGATI), e o escopo da política para os territórios quilombolas e territórios de povos e comunidades tradicionais, com reforço de monitoramento e fiscalização.
CONSOLIDAR uma Política Nacional de Manejo Integrado e Adaptativo, Prevenção e Controle do Fogo no bioma, que dialogue com iniciativas de base comunitária.
RESGUARDAR a diversidade dos ecossistemas protegidos e os usos e interesses sobre eles incidentes, com a celebração de Termos de Compromisso com povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares, em áreas sobrepostas com unidades de conservação de proteção integral.
INSTITUIR zonas de amortecimento de áreas protegidas livres de agrotóxicos e de transgênicos, principalmente nas áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade e manutenção dos serviços ecossistêmicos.
FORTALECER o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera do Cerrado como espaço de governança ambiental entre as áreas núcleos de proteção do bioma.
APROVAR a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que coloca o Cerrado e a Caatinga como patrimônios nacionais e definir uma legislação federal específica para o uso sustentável, a conservação e a recuperação dos biomas
Políticas para a Redução do Desmatamento e Restauração da Vegetação Nativa – Dialogando com a Agricultura e A Pecuária Responsável
ZERAR o desmatamento, seja legal ou ilegal, até 2020, revisando a meta de redução dada pela Política Nacional de Mudanças Climáticas.
CRIAR uma meta ambiciosa de redução de emissões de carbono para o Cerrado.
ARTICULAR um fundo para investimentos socioambientais no Cerrado, com mobilização de recursos nacionais e internacionais – Fundo Cerrado.
APLICAR condicionantes e indicadores de sustentabilidade socioambiental para todas as linhas de crédito do Plano Safra, criando condições de financiamento mais atrativas para o Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), e para quem vai investir em áreas já abertas, com alta e alta-média aptidão para agricultura, especialmente, para os proprietários que têm excedente de Reserva Legal e se comprometem a não desmatar.
CONDICIONAR o crédito agrícola, em quaisquer de suas modalidades, somente para proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), respeitadas as especificidades de povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, sem nova prorrogação de prazo para os grandes produtores rurais.
ESTIMULAR a conservação de ativos florestais em propriedades privadas, por meio da regulamentação das Cotas de Reserva Ambiental (CRA), como mecanismo de compensação de áreas de Reserva Legal, e do pagamento de incentivos a serviços ambientais para a conservação dos excedentes de vegetação nativa no Cerrado fora das áreas que já possuem proteção legal.
AVANÇAR na implementação da Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg) e do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), estabelecendo linhas de crédito atrativas que promovam o uso eficiente das áreas já abertas e a reversão do passivo ambiental de imóveis rurais.
IMPLEMENTAR o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), uma ação estruturante do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), instituindo a Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos – Pnara (Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n. 6670/2016), com o fim dos benefícios fiscais para a comercialização de agrotóxicos.
AUMENTAR a fiscalização, o controle e a transparência de informações em relação às outorgas de uso da água superficial e subterrânea, as autorizações de desmatamento, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), dentre outros relevantes para a boa governança ambiental.
Políticas para a Sociobiodiversidade e O Agroextrativismo – Visando Maior Governança na Agenda Socioambiental
PROMOVER a Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) para o desenvolvimento rural e agroextrativista sustentável, fortalecendo a participação social dos agricultores familiares, povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais do Cerrado, no âmbito da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater).
GARANTIR orçamento para os programas de compras públicas e de formação de estoque, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), com inclusão de novos produtos da sociobiodiversidade na Política Geral de Preços Mínimos (PGPM-Bio), e preços mais atrativos para as comunidades agroextrativistas.
RECONHECER os Protocolos Comunitários de Consulta Livre, Prévia e Informada, construídos de modo autônomo e independente pelos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, como instrumento legítimo de aplicação e salvaguarda das garantias supralegais instituídas com a Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
SUPERAR os entraves regulatórios nos campos sanitário, fiscal e ambiental à produção e à comercialização de produtos da sociobiodiversidade.
AMPLIAR os programas de proteção, órgãos de defesa, acolhimento e encaminhamento de denúncias de violência oriundas de conflitos agrários, a exemplo dos Centros de Referência de Cidadania e do Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
FOMENTAR a pesquisa e as inovações sobre produtos, empreendimentos comunitários e sistemas produtivos sustentáveis do Cerrado, garantindo a efetiva repartição de benefícios provenientes da exploração econômica a partir do acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado.
RECONHECER os sistemas agrícolas tradicionais dos agricultores familiares, povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais como patrimônio cultural imaterial brasileiro.
ASSEGURAR a composição do Comitê da Bacia Hidrográfica do AraguaiaTocantins, seu bom funcionamento e o dos comitês da bacia do São Francisco e Paranaíba, com ampla participação e representatividade de povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais do Cerrado em programas de revitalização.
INCLUIR nas estatísticas oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) os dados demográficos, econômicos e sociais específicos dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais.
Fonte: ESTRATÉGIAS POLÍTICAS PARA O CERRADO, agosto de 2018.
Organização: Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Instituto Socioambiental (ISA), Rede Cerrado e WWF-Brasil
Disponível em:
https://ispn.org.br/site/wp-content/uploads/2018/10/Estrategias-Politicas-para-o-Cerrado_web.pdf
“A responsabilidade desse problema é compartilhada por todos os atores da cadeia produtiva, do produtor ao consumidor, incluindo traders, frigoríficos, empresas do varejo, investidores, indústria de insumos agrícolas e companhias de terras.
A busca por soluções capazes de frear rapidamente a destruição do Cerrado também é uma responsabilidade que precisa ser assumida por esses mesmos atores. E vale ressaltar que, embora importante, a aplicação da legislação ambiental, por si só, não será suficiente para garantir a conservação do bioma, já que permite a conversão legal de até 80% dos imóveis rurais.
O setor privado aprendeu que é possível produzir sem provocar novos desmatamentos diretamente associados à sua cadeia produtiva, como é o caso de sucesso da Moratória da Soja na Amazônia. A articulação e o trabalho colaborativo entre os diferentes elos da cadeia produtiva, contando com o apoio do governo e o acompanhamento da sociedade civil, foi o caminho trilhado na Moratória da Soja, e agora deve inspirar as ações no Cerrado.
As Organizações da Sociedade Civil, abaixo assinadas, pedem uma medida imediata em defesa do Cerrado a ser tomada pelas empresas que compram soja e carne desse bioma, assim como os investidores que atuam nesses setores, no sentido de adotarem políticas e compromissos eficazes para eliminar o desmatamento e desvincular suas cadeias produtivas de áreas naturais recentemente convertidas.
O governo brasileiro também precisa garantir que a lei e os compromissos internacionais assumidos sejam cumpridos, e espera-se que sejam criados instrumentos e políticas necessários para a melhor ordenação da atividade produtiva no Cerrado. Nesse sentido, a criação de áreas protegidas é primordial, bem como a garantia do direito à terra para povos indígenas, comunidades tradicionais e pequenos agricultores da região. É fundamental também que os dados oficiais de desmatamento do Cerrado sejam publicados anualmente, assim como já ocorre na Amazônia.
Incentivos e instrumentos econômicos devem ser desenvolvidos, tanto pelo governo como pelo setor privado, no sentido de recompensar o esforço de produtores em conservar áreas de vegetação nativa mesmo que elegíveis ao desmatamento legal.
Esse esforço coletivo e multissetorial possibilitará a conciliação da continuidade da produção, com o desenvolvimento de uma economia diversificada na região, garantindo direitos e renda a comunidades locais e a devida proteção dos valiosos ecossistemas naturais do Cerrado”.
Fonte: Nas mãos do mercado, o futuro do cerrado: é preciso interromper o desmatamento, 11 de setembro de 2017. Disponível em:<https://d3nehc6yl9qzo4.cloudfront.net/downloads/manifestodocerrado_11setembro2017_atualizadooutubro.pdf>. Acessado em: 14 de jun. de 2020.