Megaprojetos
“Os mega projetos de geração de energia, infraestrutura, transporte, mineração e do agronegócio que vêm sendo implementados há décadas não são aleatórios. São empreendimentos planejados para dar suporte a um modelo de desenvolvimento econômico extremamente perverso e excludente.
Os povos indígenas, as populações tradicionais, os camponeses e os movimentos e pastorais sociais vêm resistindo há décadas a estes mega projetos de “desenvolvimento” que avançam sobre o Cerrado, nas áreas de de infraestrutura (hidrovia, ferrovia, pontes e asfaltamento de estradas); geração de energia (somente no Rio Tocantins são onze usinas hidrelétricas, além das planejadas para os rios Araguaia, Sono e Perdida, entre outros); e de monoculturas (principalmente soja, arroz, eucalipto, melancia e seringa)”.
Fonte: Pereira, Laudovina, Sánchez, Sara. MATOPIBA – destrói a natureza e seus povos. Cimi Regional Goiás/Tocantins, s/d.
“O Brasil apresenta grande potencial hídrico, o que possibilita e estimula as políticas nacionais a aprovarem a construção de usinas hidrelétricas (ONU, 2012). Além disso, essa forma de obtenção de energia é considerada uma das mais sustentáveis por envolver um recurso natural reconhecido como renovável (Souza JR., 1998; Goldemberg & Lucon, 2007; WWAP, 2012). No entanto, a implementação de uma usina promove alterações da paisagem, o que ocasiona impactos socioambientais negativos (Muller, 1995; Rosa et al., 1995; Souza, 2000; UNEP, 2012). Ao observarmos os impactos sociais, percebemos que tal empreendimento pode modificar uma paisagem cultural reconhecida por uma comunidade tradicional, e que a perda de determinados elementos irá interferir na qualidade de vida daqueles sujeitos que ali vivem (Souza, 2000; Viana, 2003).
A construção de barragens enquanto lago subsidiário desses empreendimentos promove significativa alteração da paisagem e consequente perda de habitats. O presente estudo objetivou analisar os impactos da construção da Hidrelétrica de Serra da Mesa/ GO, localizada no cerrado central do país, em uma comunidade de pequenos mamíferos não voadores.
Além disso, e foco do presente trabalho, a construção de uma hidrelétrica traz impactos para a fauna local, interferindo em uma dinâmica das comunidades residentes em determinadas localidades (Passamani & Fernandez, 2011).
A alteração promovida inclui o alagamento de grandes áreas, criando em algumas regiões, ilhas, que antes eram topos de morros. Essas áreas tinham uma dinâmica ecológica, e passam a apresentar uma nova configuração, ou seja, áreas isoladas em uma matriz de água.
A hidroeletricidade é considerada a base de suprimento energético do país (Muller, 1995). As hidrelétricas são consideradas formas limpas de geração de energia, porém, observam-se grandes impactos ambientais negativos, uma vez que grandes áreas são inundadas para a formação dos lagos que irão subsidiar a usina (Muller, 1995; Rosa et al., 1995; Souza, 2000; Campos & Silva, 2012; ONU, 2012; UNEP, 2012), além de grandes impactos sociais, na medida em que as alterações repercutem nas sociedades organizadas pertencentes à região e fora dos limites de influência (Souza, 2000; Nüsser, 2003; Viana, 2003). Rosa et al. (1995) indicam a alteração física da paisagem, alteração química da água, perda do fluxo gênico de populações de peixes, perda de fauna e flora da área afetada, dentre outros, como sendo os impactos ambientais mais significativos da construção de grandes barragens.
A construção de uma usina hidrelétrica (UHE) requer relevantes modificações da paisagem, como a transformação de uma área terrestre em um reservatório. A alteração da paisagem resultante da pressão antrópica é hoje um dos grandes responsáveis pela perda de habitats (Lindenmayer & Fisher, 2006). As barragens provocam rupturas ambientais, isolando as comunidades aquáticas que vivem à montante das que vivem à jusante, e impedem migrações e movimentações de espécies (McCully, 1996). O alagamento de área também cria ilhas isoladas, nos locais em que antes havia topos de morros. São as chamadas ilhas continentais (Diamond, 1972), ou seja, fragmentos que perderam área e foram isolados por razão da inundação da região (Hass, 2002)”.
Impactos na Fauna:
“A fragmentação de sistemas fluviais promove a redução de espécies não somente no ambiente aquático, mas também no terrestre (McCully, 1996). Da mesma maneira, a fragmentação terrestre resulta em impactos físicos e bióticos, como por exemplo, quebra nos padrões de migração e dispersão, redução de populações e de pool gênico, criação de bordas responsáveis por alteração de microclimas, dentre outros (Terborgh, 1992).
Os pequenos mamíferos (espécies que apresentam peso inferior a cinco quilos), que têm importante função no ecossistema como elementos fundamentais de cadeias alimentares e na dispersão de sementes, são ameaçados pela fragmentação e a consequente perda de habitas (Chiarello et al., 2008). Além disso, em geral, eles não apresentam capacidade de percorrer grandes distâncias, principalmente entre manchas de fragmentos (Carmignotto, 1999).
Como efeito da fragmentação, temos a redução no tamanho de populações, inclusive de espécies que requerem maior área de vida (Bierregaard et. al, 1992; Primack, 1992). Essas espécies apresentam baixa densidade populacional e necessitam de um espaço adequado para viver. Como exemplo, em um trabalho feito no Panamá, uma ilha preservada de 16 km² não era suficiente para manter uma população de onças, e esta ausência do predador de topo causou um efeito cascata que modificou toda a comunidade da ilha, inclusive a estrutura florestal (Terborgh, 1992). A fragmentação de habitats promove alterações em vários processos ecológicos (Laurance et al., 2002), incluindo mudanças na movimentação animal. Isso pode ser visto no trabalho de Colchero et al. (2010), em que uma população de onças-pintadas (Panthera onca) na região das Florestas Maias, no México, sofreram impactos em sua área de vida devido à fragmentação ocasionada pela construção de estradas e consequente adensamento humano”.
Fonte: SILVA, M. Estudos dos efeitos da implantação de uma usina hidrelétrica sobre comunidades de mamíferos do Cerrado. Belo Horizonte, 2014, p. 11-14-16-17-41.
Impactos na flora:
“Nas regiões de Domínio Cerrado as matas ripárias se destacam pela riqueza de espécies e complexidade estrutural (FELFILI, 2002). Contribuem efetivamente para a manutenção da água e da fauna nativa, representam cerca de 5% da área e mais de 30% da riqueza de espécies nestas regiões. Em termos de diversidade pode ser comparada às Florestas Amazônica e Atlântica (FELFILI et al., 2001), possuindo uma alta concentração de espécies vegetais endêmicas (MMA, 2009; COUTINHO, 1990).
A vegetação ripária vem desaparecendo em uma taxa acelerada. Este tipo de vegetação, que ocupa as áreas mais baixas próximas aos cursos de água, é representada por um complexo de espécies que depende do fluxo natural dos rios e dos pulsos de inundação para sua manutenção. Entretanto as alterações no fluxo dos rios, tem efeitos direto sobre este biótopo, que tem um papel relevante na proteção dos recursos naturais e conservação da biodiversidade (LIMA & GASCON, 1999; VESELY e MCCOMB, 2002).
As matas ripárias protegem as margens dos corpos d’água evitando erosão do solo, assoreamento dos rios, córregos e lagos, regularizando sua vazão (PAVAN,2007). Contribuem com a manutenção da qualidade da água, atuando como uma espécie de “filtro” retendo grande parte da contaminação dos rios proveniente de resíduos sólidos, defensivos agrícolas e poluentes em geral (PENA, 2018). Além disso, são habitats para muitas espécies de animais, principalmente de pássaros, mamíferos e répteis (LEE & PERES, 2007; LI et al., 2012).
O controle do fluxo dos rios é realizado principalmente pela construção de barramentos. Se por um lado a importância das barragens para o abastecimento de água para agricultura, indústria e municípios, a regulamentação sazonal das inundações, a produção de eletricidade, a navegação e outras finalidades é reconhecida (WCD, 2000; BURIAN 2006), por outro os impactos são grandes, recorrentes e cumulativos com o aumento do número de barramentos nos corpos de água.
A inundação de áreas para formação dos reservatórios associados às usinas hidrelétricos compromete a vegetação ripária permanentemente (PAVAN, 2007). Ao mesmo tempo, o controle do nível e do fluxo da água pela abstração de energia à jusante impacta diretamente a vegetação do entorno.
A taxa de construção de barragens tem aumentado nos últimos anos causando alteração de grandes porções dos rios e, consequentemente, das matas ripárias submersas pelos reservatórios (ROBERTS, 1981; WCD, 2000). Tanto as espécies presentes nas áreas inundadas quanto aquelas que possuem mecanismos de dormência, com períodos prolongados nos bancos de semente são comprometidas (KAGEYAMA, 1986)”.
Fonte: SIRQUEIRA, E. et al. A Vulnerabilidade das Matas Ripárias Diante da Construção de Grandes Empreendimentos Hidrelétricos na Bacia do Rio Tocantins. Revista Gestão & Sustentabilidade Ambiental, Florianópolis, 2020, p. 376-377.
Megaprojetos de Mineração:
“As transformações no território decorrentes dos megaprojetos de mineração no processo de intervenção e ocupação do Cerrado, trazem consigo os conflitos entre as territorialidades, desarticula as relações de existência e transforma os espaços de convivência das comunidades do campo e da cidade atingidas pelas atividades de mineração. O Capitalismo se mostra como um camaleão, capaz de se adequar às mais distintas situações, transformando os recursos minerais, água e o acesso à terra como a centralidade das disputas territoriais.
O Cerrado vem passando por um processo de destruição sistemática nas últimas décadas e nesse sentido a expansão dos megaprojetos de mineração contribuem de maneira efetiva para acelerar esta destruição, uma vez que as práticas operacionais contribuem para a destruição ambiental e as relações de trabalhistas são marcadas pelos mecanismos de precarização do trabalho. Os mecanismos de territorialização da exploração do subsolo acirra os conflitos com as comunidades, trabalhadores e proprietários rurais que vivem na terra e da terra, uma vez que no Brasil a propriedade da solo e do subsolo são instancias jurídicas distintas, o subsolo pertence à união conforme a Constituição Federal Ao avaliar minimamente as atividades de mineração, é possível compreender os efeitos sócioespacias dos megaprojetos de mineração nas comunidades Camponesas e também na população urbana.
A posição do país no circuito produtivo da mineração, contribui para manutenção, reprodução e ampliação dos conflitos e impactos ambientais no campo e na cidade em decorrência das atividades dos megaprojetos de mineração.
Na última década a produção mineral do Brasil, monitorado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, DNPM, aponta a mineração como um dos principais meios de sustentação da economia brasileira. Contraditoriamente é também uma das principais atividades que mais provocam impactos socioambientais, inclusive comprometendo não raras as vezes, as condições de sobrevivência das comunidades.
É sabido que os impactos negativos das atividades de mineração podem comprometer as condições de manutenção da vida daqueles que dependem da pesca, caça, agricultura ou extrativismo, ações básicas para se sobreviver no campo, além destes aspectos há também a degradação das relações de trabalho e saúde dos trabalhadores. Fica evidente que os conflitos territoriais são inevitáveis, uma vez que os interesses são distintos e contraditórios. As mineradoras iniciaram as atividades na década de 70 e desde então há na região um processo de estranhamento entre os sujeitos e estes conflitos socioambientais denunciam as contradições do chamado des-envolvimento (PORTO-GONÇALVES, 2004), dentro do qual, trabalhadores, camponeses, indígenas, quilombolas ou comunidades extrativistas experienciam diferentes situações de exploração que ameaçam a existência coletiva”.
Fonte: Silva, Alessandro Ferreira. Efeitos socioambientais dos megaprojetos de mineração em Catalão/Ouvidor, Goiás. XVIII Encontro Nacional de Geógrafos, Universidade Federal do Maranhão (UFMA), São Luiz, Maranhão, 2016.
“O fator que mais contribui para a degradação do Cerrado é o desmatamento desenfreado devido ao avanço da agricultura e da pecuária, urbanização e construção de estradas, gerando a fragmentação de habitat e tornando-os incapazes de proteger sua biodiversidade (MACHADO et al., 2004; TEIXEIRA et al., 2004). Contudo, a construção de estradas é um dos maiores fatores de fragmentação conhecidos atualmente, pois causa recortes em extensas massas contínuas de biota natural (BRASIL, 2007).
As estradas, quando em bom estado de conservação, representam a força motriz do desenvolvimento socioeconômico de um país, gerando ganho de produtividade ao facilitar o acesso ao consumidor, promovendo a competição entre concorrentes e uma consequente redução no preço final dos produtos (MENDES, 2011). Porém, apesar de sua notável importância, a construção de estradas causa diversos impactos ambientais (ecológicos e visuais, na qualidade do ar, impactos sonoros e na qualidade da água), por conta da grande quantidade de gases poluentes liberados pelos motores a combustão, abandono de resíduos nas margens, corte seletivo, perda de diversidade biológica e alterações no solo, o que irá refletir diretamente no ambiente, alterando as diferentes fitofisionomias, inclusive aquelas presentes no bioma Cerrado (SAMPAIO; BRITO, 2009).
De acordo com o novo Código Florestal Brasileiro (Lei Nº 12.651, de 25 de Maio de 2012), as margens de rodovias devem ser consideradas áreas de preservação permanente na forma de faixas ao longo de sua extensão, garantindo assim proteção à paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico da fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Entretanto, escassos são os estudos que visam avaliar o real potencial conservacionista destas faixas de proteção”.
Fonte: COSTA, J. et al. Estrutura e diversidade de trechos de Cerrado sensu stricto às margens de rodovias no estado de Minas Gerais. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 29, n. 2, 2019, p. 699.
“Recentemente tem-se demonstrado que as colisões envolvendo carnívoros são influenciados por fatores temporais (Philcox et al., 1999; Guter et al., 2005; Orlowski e Nowak, 2006) e por fatores espaciais (Clarke et al., 1998; Clevenger et al., 2003; Malo et al., 2004; Ramp et al., 2005). Variações sazonais são também relatadas para outras espécies para as quais, nas estações reprodutivas ou de recrutamento, as frequências de atropelamento são maiores (Grilo et al., 2009). Na estação seca, quando os recursos são escassos, pode haver um aumento na mobilidade dos animais, aumentando a frequência de atropelamento nas rodovias (Melo e Santos-Filho, 2007). Colisões com veículos mostram significantes aglomerações espaciais e parecem depender da densidade populacional, biologia e habitat das espécies, estruturas da paisagem, e características do tráfego de veículos na rodovia (Clevenger et al., 2003; Baker et al., 2004; Malo et al., 2004; Orlowsky e Nowak, 2006; Cáceres, 2011).
A rodovia BR 262 atravessa o gradiente ambiental formado entre o cerradão e o pantanal sul-mato-grossense (Ab’Sáber, 1988; IBGE, 1992), apresentando diferentes níveis de urbanização e extensas áreas de pastagem intercaladas à vegetação nativa. O fato da rodovia BR 262 abranger a zona de transição Cerrado-Pantanal (Veloso et al., 1991) a coloca como um importante fator para o entendimento dos impactos causados sobre a fauna atropelada, proveniente de duas diferentes regiões biogeográficas.
Os atropelamentos na BR 262 (entre km 360 e 560) são mais intensos sobre mamíferos com maior distribuição geográfica, podendo ser espécies de área aberta como tamanduás e tatus. Os atropelamentos são mais severos em locais onde a rodovia cruza por zonas próximas a áreas bem conservadas do Pantanal e da Serra de Maracaju ou em regiões com matas ciliares bem desenvolvidas. A distribuição espacial dos atropelamentos é espécie-dependente, sendo menos intensos nas adjacências de grandes centros urbanos. Os períodos de chuva e de seca também contribuem para os agrupamentos de atropelamentos para algumas espécies, sendo o período chuvoso aquele com mais registros de mamíferos atropelados”.
Fonte: Cáceres, Nilton C.; Casella, Janaina; dos Santos Goulart, Charla. VARIAÇÃO ESPACIAL E SAZONAL DE ATROPELAMENTOS DE MAMÍFEROS NO BIOMA CERRADO, RODOVIA BR 262, SUDOESTE DO BRASIL Mastozoología Neotropical, vol. 19, núm. 1, enero-junio, 2012, pp. 22-31.