Povo Bororo

Povo Bororo. Foto: Arquivo Cimi.

“O território tradicional de ocupação Bororo atingia a Bolívia, a oeste; o centro sul de Goiás, ao leste; as margens da região dos formadores do Rio Xingu, ao norte; e, ao sul, chegava até as proximidades do Rio Miranda (Ribeiro, 1970:77). Estima-se que esse povo tenha habitado essa região durante pelo menos sete mil anos (Wüst & Vierter, 1982)” (Serpa, 2018).

 

 

Fonte: Serpa, Paulo. Bororo. Site Povos Indígenas no Brasil. Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Bororo>. Acesso em: 02 jul, 2020. 

 

“A área relativamente pequena desmatada para o cultivo e o reduzido tempo pelo qual era usada permitiam uma regeneração total em pouco tempo, sem comprometer a paisagem natural e devolvendo a fertilidade do solo naturalmente. Na literatura, o mesmo sistema, com pequenas variações de um povo para outro, é denominado cultivo itinerante, roça de toco, roça de coivara ou de corte e queima (slash and burn)” (Pinto; Garavello, 2002, p. 56).


Fonte: Pinto, J. G.; Garavello, M. E. de P. E. Transformação (agri)cultural ou etnossustentabilidade: relato de uma aldeia Bororo. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.2, abr./junh.2002

“As roças tradicionais dos Bororo (Boe Épa) se caracterizavam, grosso modo, por serem familiares, de policultivo e de pousio. Era um sistema de cultivo itinerante no qual o fogo desempenhava um papel central (Pinto; Garavello, 2002, p. 55).

A primeira, e talvez a mais importante, mudança no sistema agrícola Bororo foi a introdução de novos cultivos, o que por si só implicou profundas transformações na organização para a produção e nas manifestações culturais associadas às culturas agrícolas. O caso mais significativo é a introdução do arroz, que substituiu o milho em importância na alimentação e em área cultivada. Como esta cultura era pouco conhecida, a sua introdução implicou a adoção de novas técnicas e ferramentas nem sempre compatíveis com o universo cultural bororo, o que provocou um verdadeiro “efeito dominó” sobre outros aspectos da organização social tradicional. A substituição do milho pelo arroz como cultivo mais importante refletiu no quase abandono da mais importante manifestação ritual associada à agricultura, o Kuiadá Páru ou festa do milho. A área atualmente plantada de milho no Meruri fornece apenas o mínimo necessário para que se realize um ritual muito reduzido e simplificado no qual o Bári, ou xamã dos espíritos, responsável pela ligação entre os homens (Boe) e os espíritos da natureza (Bópe), chega a ser substituído por um padre na tarefa de benzer o milho e afastar dele os espíritos maléficos (ibidem, p. 57).

Dentre as culturas mais importantes observadas nas roças e nos quintais do Meruri hoje, quase todas foram introduzidas pós contato.

Uma modificação importante observada atualmente no sistema de cultivo de roças na aldeia foi o abandono do pousio ou o prolongamento do uso da mesma área e a introdução de máquinas. A limpeza da área era feita manualmente com auxílio de fogo e as roças não eram destocadas, conforme previamente discutido. Com a introdução de máquinas, no final da década de 1970, a limpeza da área passou a ser feita mecanicamente. Atualmente são abertas áreas praticamente contínuas de 10 a 15 ha que são posteriormente divididas entre os interessados em fazer roças. Cada interessado fica com cerca de 1 a 1,5 ha nos quais costumam cultivar arroz, milho, feijão, abóbora, melancia, mamão e outros. O trabalho nas roças é familiar, não sendo historicamente o trabalho coletivo uma prática comum (ibidem, p. 58).

A área atualmente em uso foi desmatada há quatro ou cinco anos. Ela dista cerca de dez quilômetros da aldeia e foi escolhida por não haver outra área de mata mais próxima da aldeia. Estas áreas são vistas como mais férteis que as de cerrado e as únicas passíveis de cultivo, enquanto os solos de cerrado são considerados por eles adequados apenas para a implantação de pastagens para criação de bovinos. A sedentarização do grupo, que desde os primórdios da colônia religiosa salesiana fundada há quase cem anos instalou-se em casas de alvenaria ao redor das instalações dos missionários, torna-se um obstáculo à atividade agrícola. Apesar de haver um certo deslocamento temporário nas épocas de plantio, tratos culturais e colheitas, a distância desencoraja e dificulta um melhor acompanhamento e trato dos cultivos. Tal sedentarização, somada à redução e limitação da área, imposta pela demarcação da reserva e pela ocupação dos arredores por não-índios, dificulta também o cultivo itinerante. Foi observado um único caso de tentativa de volta ao sistema tradicional de roça de toco. Um bororo, com idade ao redor de 25 anos, se declarou insatisfeito com a irregularidade das condições de assistência às roças atuais e está tentando, com mais um ou dois companheiros, cultivar banana e café num sistema mais semelhante ao tradicional (ibidem, p. 58-59).

Para identificar os limites das roças, por exemplo, cada família faz o plantio em linhas de sentido alternado, desconsiderando-se o relevo local e a declividade de sua área. Já que não há uso de cobertura morta nem consorciação, o solo nas entrelinhas fica descoberto. O sentido das linhas pode então, aleatoriamente, cortar ou favorecer as enxurradas e a erosão (ibidem, p. 59)”.


Fonte: Pinto, J. G.; Garavello, M. E. de P. E. Transformação (agri)cultural ou etnossustentabilidade: relato de uma aldeia Bororo. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.2, abr./junh.2002

“Havia na cultura bororo um ritual agrário bastante desenvolvido, assentado em grande parte no cultivo do milho. Viertler (1990) afirma que as tradições orais revelam o conhecimento de numerosas variedades de milho crioulo. Eram cultivadas cerca de sete variedades e a época do cultivo, que se estendia desde a derrubada em maio até a colheita em fevereiro, trazia uma série de rituais e cerimônias ligadas direta ou indiretamente ao milho (kuiadá). Estes rituais culminavam no Kuiadá Páru, a festa do milho, celebrado quando da colheita” (Pinto; Garavello, 2002, p. 55).


Fonte: Pinto, J. G.; Garavello, M. E. de P. E. Transformação (agri)cultural ou etnossustentabilidade: relato de uma aldeia Bororo. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.2, abr./junh.2002

“Nenhum projeto de geração de excedentes comercializáveis em grande escala teve sucesso. Isso se dá obviamente em função da inadequação do modelo agrícola que se tenta imprimir à comunidade, modelo este que não leva em conta os padrões tradicionais de divisão sexual do trabalho, costumes, crenças, habilidades e valores que ainda se conservam na comunidade, além das variáveis ambientais locais” (Pinto; Garavello, 2002, p. 59).


Fonte: Pinto, J. G.; Garavello, M. E. de P. E. Transformação (agri)cultural ou etnossustentabilidade: relato de uma aldeia Bororo. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.2, abr./junh.2002