Sem Cerrado, Sem água, Sem vida!

Campanha Nacional em Defesa do Cerrado

 

Em novembro de 2015, pouco antes da Campanha ser lançada oficialmente, o I Encontro de Povos e Comunidades Impactados pelo Matopiba reuniu representantes de povos e comunidades dos quatro estado em Araguaína, no Tocantins. Naquele encontro, comunicadores e comunicadoras populares decidiram realizar em janeiro de 2016 a primeira reunião do que seria o Coletivo de Comunicação da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, no qual cerca de 20 profissionais de comunicação e comunicadores populares doaram tempo e conhecimento para a iniciativa, além de desenvolverem estratégias e materiais para a Campanha.

 

Alguns meses depois, em meio ao Cerrado da histórica Cidade de Goiás, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado foi lançada oficialmente com o lema “Cerrado, berço das Águas: Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”. O lançamento ocorreu durante o Fórum Ambiental, espaço de debate que integrou o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), em agosto de 2016. Um segundo momento de lançamento foi a coletiva de imprensa com a presença dos povos e comunidades tradicionais e organizações na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em Brasília, no mês de setembro. Em novembro de 2016, o Seminário Nacional “Matopiba: conflitos, resistências e novas dinâmicas de expansão do agronegócio no Brasil” reuniu dezenas de representantes de comunidades, organizações, movimentos e pesquisadores do Brasil, bem como aliados de Moçambique e Japão, em Brasília, consolidando a articulação da Campanha.

 

Os desafios enfrentados pelos povos e comunidades do Cerrado na defesa de seus territórios motivaram a realização de duas Oficinas de formação em Direitos Territoriais, uma em Imperatriz para comunidades do Mapito e outra em Goiânia para comunidades do Centro-Oeste e Bahia, ambas em agosto de 2017. O sucesso desta experiência faz com que ela esteja sendo replicada virtualmente, em 2020, com outras comunidades do Mapito.

 

Em setembro de 2017 e janeiro de 2018, duas missões da Caravana Internacional de Investigação sobre Grilagem de Terras e Violações de Direitos Humanos no MATOPIBA, realizadas no Cerrado do Piauí, denunciaram a violação dos direitos dos povos indígenas Gamela e das comunidades tradicionais contra a grilagem de terras pelos Fundos de Pensão como o TIAA e da Universidade de Harvard dos Estados Unidos, trazendo na pauta a denúncia dos processos de financeirização das terras do Cerrado. A Caravana resultou no Relatório MATOPIBA: Os Custos Ambientais e Humanos do Negócio de Terras, instrumento para defender os direitos de povos e comunidades frente ao avanço do capital estrangeiro. Uma das iniciativas desde a caravana até o fim de 2020 foi um processo de incidência sobre o “Projeto Piauí: Pilares de Crescimento e Inclusão Social”, financiado pelo Banco Mundial, que estava acelerando o processo de regularização fundiária de fazendas – algumas sob suspeita de grilagem – em detrimento da regularização de comunidades do estado. Esse processo se deu por meio de ações de pressão frente ao Banco, e culminou em um representante a Washington em outubro de 2019, na ocasião da reunião anual da instituição. Durante a viagem, também foi possível realizar ações de campanha em Harvard e em universidades cujos professores são clientes da TIAA para endereçar os custos sociais e ambientais dos investimentos estrangeiros em compra de terras no Brasil.

 

Em setembro de 2017, em Balsas, no Maranhão, aconteceu o I Encontro Nacional dos Povos do Cerrado, que reuniu cerca de 600 representantes de povos e comunidades tradicionais dos 10 estados que compõem o Cerrado sob o lema “Cerrado: os povos gritam por água e território livres!”. Ali, na capital do agronegócio maranhense, povos registraram na carta política do encontro: “Priorizamos indígenas, negros, mulheres e jovens […] que, mesmo ameaçados e violentados, nos oferecem, com seu modo de viver e lutar, alternativas de Bem Viver e cuidar da Casa Comum.” Durante o encontro, aconteceu também a 1ª Romaria Nacional do Cerrado, que contou com mais de cinco mil pessoas em caminhada, percorrendo ruas e rodovias, gritando denúncias e sonhos.

 

Em seguida, no mês de novembro de 2017, famílias do Cerrado baiano se colocaram na defesa das águas em Correntina contra a fazenda Igarashi, que expropria as águas das comunidades ribeirinhas e de fundo e fecho de pasto. Essa ação desencadeou o apoio de organizações nacionais e internacionais. Mas de 10 mil pessoas foram às ruas de Correntina, em apoio à ação das comunidades, muitas vestidas com camisas com o lema da Campanha “Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”. Uma carta pública dos movimentos após os protestos denunciava: “O canto fúnebre das ‘Alimentadeiras de Alma’, antiga tradição religiosa de rezar pelos mortos, passou a ser realizado para chamar a atenção para a morte das nascentes e rios às centenas na região. Romarias com milhares de pessoas vêm sendo feitas nos últimos anos em cidades da região em protesto contra a destruição dos cerrados”. A frase “Ninguém vai morrer de sede nas margens do rio Arrojado” se tornou um lema dessa luta.

 

Em março de 2018 em Brasília, a Campanha se uniu a diversos movimentos do Brasil e do mundo na defesa das águas no Fórum Alternativo Mundial da Água – FAMA trazendo a mensagem do “Cerrado – Berço das Águas”. Em maio do mesmo ano, a Campanha ajudou a construir a Tenda Matopiba, no IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) em Belo Horizonte – MG, ampliando a visibilidade das denúncias de violações de direitos no Cerrado.

 

Representantes da Campanha também construíram a IV Conferência Triangular Triangular dos Povos Moçambique-Brasil-Japão, realizada em Tóquio em novembro de 2018, na qual denunciaram o papel histórico da cooperação japonesa (JICA) na devastação do Cerrado com o PRODECER e na continuidade desse modelo com o MATOPIBA e o ProSavana. Na carta final, os movimentos e organizações afirmaram: “Reiteramos a rejeição ao ProSAVANA e ao MATOPIBA e defendemos a soberania alimentar dos povos”. Em maio de 2019, um grupo de representantes de organizações e comunidades do Cerrado mato-grossense realizaram um intercâmbio agroecológico, visitando comunidades indígenas e campesinas no Bosque Seco chiquitano, região da extensão do Cerrado na Bolívia.

 

As articulações das juventudes e das mulheres do Cerrado fortalecem as ações da Campanha nos territórios. Em dezembro de 2018 e junho de 2019, aconteceram, respectivamente, o I Encontro Nacional das Juventudes do Cerrado e o I Encontro Nacional das Mulheres do Cerrado, lançando Cartas Públicas históricas. Nesta, as juventudes afirmaram: “Nós queremos permanecer em nossa terra e conservar o nosso Cerrado. Nossa luta por permanência é também uma batalha por uma Educação do e no Campo. […] Nós somos o presente e o futuro dos povos do Cerrado e é a manutenção dos nossos modos de vida que será capaz de garantir a conservação das nossas riquezas naturais.” E as mulheres ecoaram: “Nós somos as guardiãs do Cerrado e dos saberes populares que herdamos de nossos e nossas ancestrais. Por toda nossa história, lutamos para que nossa cultura e modos de vida resistissem. Unidas na nossa diversidade, afirmamos aqui que o Cerrado brasileiro tem cara de mulher”. É inspirada na força das mulheres e no engajamento da juventude que a Campanha se mantém de pés firmes nos chãos do Cerrado.

 

A eclosão da pandemia de Covid-19 no início de 2020 e as necessárias medidas de isolamento social impuseram novas formas de seguirmos caminhando juntos. Construímos ao longo do ano um processo amplo e coletivo de caracterização e análise da diversidade de povos e comunidades do Cerrado, seus modos de vida e saberes associados à biodiversidade, que resultou em uma série de lives “Saberes dos Povos do Cerrado e Biodiversidade”, série de artigos no Le Monde Diplomatique e compilados em um livro de mesmo nome. Também seguimos acompanhando diversos casos de conflitos no Cerrado e realizamos a sistematização de casos representativos dos diversos estados no Mapa – Territórios Agroecológicos no Cerrado em Conflito.

 

Os anos de 2019 e 2020 também foram marcados pelo desmonte da institucionalidade ambiental brasileira, por incêndios criminosos e aumento nas taxas de desmatamento no Pantanal, Cerrado e Amazônia. Em razão disso, a Campanha tem participado ativamente na articulação entre comunidades, movimentos e organizações, que têm denunciado conjuntamente a situação a partir de uma Carta Pública assinada por cerca de 100 entidades Agro é fogo: Queimadas são crimes do agronegócio! na qual afirmam: “Enquanto a sociedade brasileira se indigna e lamenta a devastação, precisamos rememorar e nos inspirar no espírito das lutas dos seringueiros com Chico Mendes realizando os empates amazônicos; da luta das quebradeiras de coco-babaçu com Dona Raimunda, Dona Dijé e até hoje em todo o Cerrado em defesa dos babaçuais; dos tantos heróis e heroínas dos povos indígenas, comunidades quilombolas, pantaneiras, geraizeiras, raizeiras, retireiras, ribeirinhas, assentadas de reforma agrária que, ao longo do tempo, têm defendido as florestas e matas nativas com seus próprios corpos“.

 

Fonte: https://www.campanhacerrado.org.br/a-campanha/historico

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