Poesia
À sombra do pequizeiro
Delirei a vida a sonhar
No uivo do guará faceiro
Chora o meu recordar
Nos galhos tortuosos
Brotam as saudades
De cheiros maravilhosos
De infância, alacridades
Tem gosto de gabiroba
Aridez do sol a rachar
Vigor doce de mangaba
Buritis a nos sombrear
Constrói o João de barro
Nostalgias em todo lugar
O vaga-lume tão bizarro
Ilumina o meu poetar
O horizonte é sem fim
Onde põe a lua a repousar
Lobeiras talham o jardim
Das savanas a enfeitar
A arapuá em sua cabaça
Ornam o beiral do passado
Ipês em flor pura graça
Desenham o meu cerrado…
Rio, 22/03/2011.
Ó horizonte além do olhar atento
Onde agacha o sol na tua entranha
Escondendo o dia a teu contento
Rajando de rubro o céu que assanha
Chão de encostas e poeirado arbusto
Tal qual a composição de um verso tosco
És dos pedregulhos e riachos vetusto
De robusto negalho (cristal) luzido e fosco
Daqui se vê o céu com mais estrelas
Que poetam poemas que a ilusão cria
Debruçadas com a emoção nas janelas
De contos e “causos” que pela noite fia
Eu sou cerrado e sua rude serenidade
Eu sou da terra, e a terra é para mim
Dum canto que não tem início, metade,
e nem fim.
O cerrado é um desalinhado que espanta
Deixa maravilhado quem passa por aqui
Pois nem ele sabe o tanto que encanta
A todos que vem e provam do seu pequi
Ah! Se eu pudesse lhe dizer de tua beleza tanta
Todos quereriam ser daqui…
SPAGNOL, L. (2011) O Cerrado… In: Luso Poemas. Disponível
Umidade pouca no ar campestre
Árvores secas, ipês se despem
Esta é a paisagem do nosso cerrado
Cercado de águas emendadas
De nascentes, cachoeiras,
Encadeados pelo mais belo pôr-do-sol e luar
Que em outro lugar não há.
E temos ainda muitas sucupiras
Pequizeiros e Jatobás
Que com força e resistência da natureza
Estão sempre a desabrochar
Na primavera os ipês
florescem em meio ao campo não plantado
E traz uma magia e fascínio
Uma dádiva da natureza
Ao nosso encantado cerrado.
Flores de vida pequena
no meio da seca, de tanta aridez
Em outubro cai a chuva novamente
Nos planaltos e planícies
Reavivam o verde-louro do capim dourado
E amanhecemos com o canto da Juriti, do sabiá e bem-ti-vi
E é assim também nossas vidas
Amores que explodem
Mas que são curtos
E se vão deixando lembranças
Momentos inesquecíveis
Paixões que foram flores, amarelas, roxas, lilás
No cerrado dos nossos corações
No imenso vazio da saudade
BOMFIM, L. Lande Bomfim [Biografia]. In: Site de Poesias.
Disponível em: https://sitedepoesias.com/poesias/45096
Antes era o Cerrado
desterrado
no planalto insondável
ou indomável,
era a vastidão ondulante
e enorme. Inescrutável.
Informe a terra aos seus desígnios,
buritis errantes sobre os ermos
charcos isolados,
plantados sob nuvens passageiras.
Nuvens como plumagens derradeiras
chovendo a intervalos.
Interstícios, vestígios vegetais.
Redemoinhos elevam-se
nos horizontes minerais
sinais montes trilhas.
Jamais.
Um resto de umidade
no ar,
flores secas
queimadas
lambendo horizontes
reiteradamente.
Do alto desde Planalto Central
mil vertentes, entranhas,
cavernas de luzes escondidas,
animais.
Dessas águas emendadas
nas direções dos pontos cardeais
em demanda de todos os brasis.
Infinitos.
Riachos temporários, subterrâneos,
Pedregosos, resvaladouros, solitários.
Solo de bandeirantes,
retirantes.
Dos encontros impossíveis,
das monções e entradas ancestrais,
dos refúgios e abandonos.
Haveremos de rever
a sua rochosa ossatura,
registros prematuros de Varnhagen.
Visões e revisões
Geopolíticas.
Sertões.
Nesses paralelos de mel e de leite
da Terra Prometida.
Nos confins de serras cristalinas,
meridianos estivais,
paisagens marinhas de artifícios,
como ondas petrificadas,
sacrifícios.
Passagens nacionais
em todas as direções:
tropeiros, mascates,
garimpeiros.
Passa um, passa boiada,
passa tempo
cavalhada
cavaleiros coloniais.
Goiás. Brasil.
De CANTO BRASÍLIA. Brasília: Thesaurus, 2002.
É só saber
verificar
que muitas joias nascem em tosco lugar.
Repare que
fenomenal:
joias florescem em todo o Reino Vegetal.
Eu nunca vi tanta beleza numa orquídea
que se lapida com a umidade e pouco sol
e a caliandra escondidinha no cerrado
é um sol avermelhado como brincos de farol.
Quanta beleza vi na tal da “langsdórfia” —
flores que crescem das raízes de outro ser —
As flores fêmeas são um brinco encarnado,
tão bonito feito o macho, rente ao chão no entardecer.
Na lama podre, quem diria, há outra joia
de “pelos” rubros, que cativam o animal.
É a linda drósera que lembra uma tiara
dessas ditas joias raras que florescem no coval.
As açucenas são tão brancas e cheirosas —
dentro do brejo nasce o fofo tegumento…
Tão puras jóias certamente deveriam
enfeitar, encher de glória o mais fino casamento.
Em meio à galharia torta do Cerrado
nasce uma beleza de pendão, um castiçal
de prata pura com milhares de florzinhas…
É o tal do “pepalântus” enfeitando o capinzal.
Eu nunca vi tanta beleza reunida
num só lugar a diversidade se estica:
são tantas cores, tantas formas, tantas joias —
acho que por isso chamam a região de Costa Rica.
Sucuriú é um colar, um fio de prata
com mil brilhantes a brotar dos paredões.
Um rio que guarda um montão de contas verdes
num lugar desconhecido e conhecido por Bolsão.
Xote dedicado à professora Tereza Cristina Stocco Pagotto
Com seus olhos semiabertos
para a luz, bico empinado,
Urutau falou, de um galho,
dormindo meio acordado:
– Essa briga é porque o mundo
está desorganizado.
– Cada qual com seu papel!
Todos têm o seu valor!
Todos são nobres e sábios.
É bonita toda cor!
Não existe tolerância
quando não existe amor.
– Organizando a bagunça:
Buriti pra canindé,
pro pica-pau: bocaiuva;
angico pro caburé.
E pra grande ararauna,
manduvi será chalé.
– E se o tronco for o mesmo
disputado por vocês
numa mesma primavera,
é preciso sensatez.
Se não chegou a sua hora,
então, que espere a sua vez.
O Urutau é um trecho do cordel Os Reis do Pedaço, publicado no livro Poesia Animal, da Editora UFMS.
Cerrado de gado brabo
nuves da cor de guede
cás boca d?istambo imbruiada
barrão de fogo alevantado
Pé-seco e os anjo na rede
armada na incruzilhada
sete anjin morto de sede
horas morta madrugada
tatú-peba cumeu as mágua
qui chorô na mamona do oro
pelos banco da meágua
as alma de Chico Bizoro
inhambado in pat?oba
vistiu cum gibão dos coro
das anca da besta-boba
e cuspiu fogo dos olho
Uriinha do São Juaquim
Lubizome e Boa-Tarde
malungo cum Mão-Pelada
in sete légua de camin
e véve a fazê latumia
pra quem é de compra medo
num arroto nem peço segredo
tomém num é pur subirbia
Apois eu vi isturdia
lá na Lagoa Fermosa
me rupia o corpo inteiro
eu te arrenego arma pantariosa
eu te arrenego e arrequêro
apois sim pois bem fui campiá
muito dispois das ave-maria
?as cabra veaca qui todo dia
iscapulia pras banda de lá
foi cuan eu vi na bera da aguada
um bando abolco de alma penada
inquanto ?as midia otras custurava
dum lado ?as gimia já otras chorava
rismungan qui era os peso e midida
os retai dos pan qui cuan in vida
tomava pra cuzê e cum o alei ficava
Nas minha andança dent dos serrado
já vi coisa do invisive e do malassobrado
coisas de fazê arripiá os cabelo
minha mãe me insinô
qui o dismazel
a sujera e o dismantel
tombém é pecado
contô qui há muito na Lagoa Torta
morava ?a mulé, falo in vida da morta
dismantelada dos pé té os cabelo
cuns dente marelo e os vistido rasgado
varria a casa catano os farelo
té a cachuera ispindurô pendente
presa na pedra sem caí no vão
tudo in memora da hora inselente
qui hai toda noite derna criação
Nas minha andança dent dos serrado
já via coisa do invisuve e do malassobrado
Oras viva e arriviva
gorda e forra a Fragazona
in pinicado de Sanazo
cum as tinha qui do calunga
na quadra da pedra uma
na toca do Lubião
nas loa do sapo-sunga
in pinicado de Sansão
imprecavejo muit? inconive
já vi coisa do invisive
visage e latumia
pantumia e parição
de quem tá morto e quem vive
istripulia de Rumão
e adispois amuntuava o cisco dum lado
?a certa noite essa mulé
qui é morta
foi jogá o cisco
cuan abriu a porta
deu cum bich qui ach
qui era o Cão
apois trazia ?a pá de lixo
e um ferrão na mão
naquela hora nada lhe valeu
só teve tempo de soltá um grito
valei-me São Binidito
tremeu feiz um fiasco
cai baten os casco
bateu no chão e morreu
Nas minha andança
dent dos serrado
já via coisa do invisuve e do malassobrado
D?a certa feita lá no Ventadô
adonde o vento foi fazê a volta e num voltô
assucedeu qui o sol me logrô
e eu tive qui drumi
donde o rebãin maiô
pela mea noite alevantei da rede
turduada c?a sede
qui quaje me mato
fui bebê água perto na aguada
ia mais discunfiada qui bode pastô
cuano cheguei perto
foi qui dei pur fé
fiquei toda ripiada da cabeça aos pé
apois lá dibaixo do imbuzero do miau
topei Chico Niculau
mais Manezim Serradô
Eu vi Naninha sentada
pidino ismola
cujos difunto nas viola
cantava uns canto de horrô
voltei corren olhan prá traiz e benzeno
cuan cheguei é qui fui vê
qui minha sede passô
Nas minha andança dento dos serrado
já vi coisa do invisive e do malassobrado
Cuano os cristão reposa
cuando drome os crente
iantes d?alevantá das cova
os ser osente
as coisa toda morna in preparação
pru sono curto qui dura um repente
toda mea noite na hora inselente
do tempo e o vento e toda criação
já vi ?a noite apois ela num mente
parô os ramo as fôia no capão
cigarra grilo cururu rodão
cobra jibóia cascavé serepente
lambú três-pote mãe-da-lua cancão
tatú mucüin toda alma vivente.
Até a cachoeira espindurou pendente
Presa na pedra sem cair no vão
tudo em memória da hora inselente
que hai toda noite desda criação
nas minha andança dentro do cerrado
já vi coisa do invisive e do malassombrado
horas viva e arreviva
gorda e forra a sagra foma
pinincando de sansão
na quara da pedrauna
na toca do lambião
nas loas do sapo sunga
impinincado de sansão
imprecavejo muito inconive
já vi coisa do invisive
visage e latumia
batumia e parição
de quem tá morto e quem vive
estripulia de rumão.
Vidas poemadas
Poemas são sopro existencial
Existe vida que dança
Na dança da vida
Como pássaros voantes caminho para os altos
Como raiz das sementes do Cerrado
mergulho profundo no chão
Somos a existência infinita da passagem por aqui
Sou quem sabe amarrar e soltar
Apropriada de nós
Gozando com a dor e na dor
Sou um pedacinho de muitos
Sou quem caminha e vira o caminho
Eu sou pelo que fomos
Para além do que fizeram com nós