Novas análises alteram árvore genealógica dos cupins

Trabalho do Museu de Zoologia levanta hipóteses sobre a história evolutiva de um dos grupos de cupins mais abundantes no Brasil

03 de agosto de 2017

Alteração na árvore genealógica foi resultado de um estudo mais aprofundado sobre a morfologia de soldados e operários. Na imagem, dois tipos de soldados, Uncitermes teevani (esquerda) e Labiotermes labralis (direita), espécies aparentadas entre si

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Estudar cupins é estudar diversidade. Ao contrário do que sugere o senso comum, eles fazem parte de uma ordem de insetos muito diversificada. São cerca de 3 mil espécies no mundo, sendo mais de 300 só no Brasil. Para espanto dos leigos no assunto, apenas uma minoria, cerca de 10%, é considerada praga e a maioria não se alimenta de madeira.

Recentemente, uma equipe de pesquisadores do Museu de Zoologia (MZ) da USP, que tem estudado cupins há vários anos, causou uma reviravolta na classificação taxonômica de algumas espécies de cupim e acabou também por reconstruir parte da história evolutiva desses insetos.

Os resultados foram publicados na PLOS ONE. O trabalho teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio de um auxílio à pesquisa conduzido por Eliana Marques Cancello, do MZ, e de uma bolsa de pós-doutorado para Maurício Martins da Rocha, orientado por Cancello.

A alteração na árvore genealógica dos cupins foi resultado de um estudo mais a fundo na morfologia de soldados e operários. Os pesquisadores constataram que, embora útil para a classificação taxonômica, a morfologia da casta dos soldados – que sempre foi considerada muito importante para a diagnose – revelou vários casos de convergência, quando os animais que não têm muito parentesco acabam adquirindo forma parecida. Por outro lado, o hábito de alimentação de cada espécie mostrava indicações de significância evolutiva.

De acordo com Rocha, os taxonomistas no passado se apegavam muito a semelhanças na morfologia externa para a classificação taxonômica e, por isso, foram verificadas tantas convergências.

Antes do estudo, era esperado que a morfologia dos cupins da casta dos soldados refletisse o parentesco entre os inúmeros gêneros de cupins. Desta forma, um soldado com mandíbula perfurante deveria ser mais aparentado com espécies que tivessem a mesma característica em comparação com outras de mandíbulas cortantes. Mas não foi o que os pesquisadores verificaram.

Os cupins estão divididos atualmente em nove famílias, sendo Termitidae a maior e mais diversa de todas, com quase 2 mil espécies descritas. A família Termitidae tem, por sua vez, oito subfamílias, das quais a Syntermitinae – com 18 gêneros e 101 espécies de cupins descritas até o momento – inclui algumas das espécies mais abundantes nos ambientes naturais do Brasil, como é o caso dos Cornitermes cumulans, que têm grande importância ecológica, sendo consideradas espécies-chave do Cerrado.

Os cupins estudados da subfamília Syntermitinae, por exemplo, não comem madeira de árvores vivas. “São as espécies que fazem aqueles ninhos grandes e alteram as paisagens. Os ninhos, que abrigam uma grande biomassa, também refletem a importância dos cupins no solo, que ao ser remexido sofre mudanças químicas e físicas. Eles servem também de abrigo para outras espécies de cupim, para outros artrópodes, cobras e até aves, que usam o ninho para demarcar território”, disse Cancello, curadora da coleção de Isoptera do museu.

Ao cruzar dados sobre 92 características em 42 espécies de Syntermitinae e seis espécies de Termitinae (outra subfamília de cupins), a pesquisa levou a uma mudança na compreensão desses insetos da ordem Isoptera e à reclassificação de espécies.

Além da análise de características da anatomia externa (como mandíbulas) e da anatomia interna, especialmente do tubo digestivo das castas de soldado e operário, também foram analisadas 117 sequências de DNA. Para tanto, foi preciso ir a campo e obter material de espécies pouco representadas nos 28 mil lotes armazenados no Museu de Zoologia, a maior coleção de cupins na América do Sul.

Para conseguir trabalhar com um tamanho tão grande de informações, os dados morfológicos e moleculares foram combinados por métodos estatísticos. Os aspectos importantes da biologia dos cupins, defesa e hábitos alimentares foram discutidos com base na árvore filogenética.

“Durante meu doutorado realizei a revisão do gênero Armitermes, e quase ‘extinguimos’ o gênero na América do Sul. Estudando mais a fundo a anatomia de todas as espécies que eram classificadas como Armitermes, verifiquei que a maioria apresentava diferenças marcantes na anatomia interna, embora seus soldados fossem externamente semelhantes. Por isso, foi preciso realocar a maioria em novos gêneros”, disse Rocha à Agência Fapesp.

Atualmente no pós-doutorado, Rocha ampliou a análise para outros gêneros da subfamília Syntermitinae, fazendo uma análise filogenética para reconstruir a história evolutiva desses insetos.

Além da anatomia externa e interna, foram analisadas sequências de DNA – Foto: Malani Q. M. via Flickr – CC 

Vida secreta dos cupins

O estudo indicou que, na história evolutiva de Syntermitinae, houve uma divisão muito precoce entre linhagens que se alimentam de material não humificado (ou pouco degradado), como gramíneas mortas e madeira, e aquelas que se alimentam de recursos vegetais muito humificados, como madeira bastante apodrecida, húmus e material da parede de ninhos de outros cupins, que em grande parte são construídos de material estercoral (uma mistura de fezes e saliva dos cupins com a terra).

De acordo com os pesquisadores, a mudança na dieta não deve ter se refletido apenas na forma da mandíbula dos operários, mas também na conformação do aparelho digestivo e na complexa fauna de simbiontes associados.

“Existem classificações dentro desses tipos de comportamento e é importante tentar entendê-las em termos de evolução. Será que esses insetos tinham originalmente uma única dieta específica e depois foram diversificando?”, disse Cancello.

Os pesquisadores estimam que os Syntermitinae pertencem a uma linhagem mais recente da história evolutiva. “Tudo indica que o grupo se diversificou quando a América do Sul já estava separada dos outros continentes, no Oligoceno [entre 36 milhões e 23 milhões de anos atrás], mas não há fóssil para estudar. O Crato [sítio paleontológico no Ceará], por exemplo, é do Cretáceo [entre 145 milhões e 66 milhões de anos atrás], quando esses cupins ainda não existiam”, disse Cancello.

Segredo guardado no estômago

No processo de análise, os pesquisadores encontraram várias estruturas que não haviam sido descritas.

“O tubo digestivo dos cupins é bastante compartimentalizado. Um dos compartimentos é a pança, onde ficam os simbiontes que ajudam na digestão, mas existem outros compartimentos que até hoje não se compreende muito bem que papel têm na digestão. Em um destes encontramos na parede uma ornamentação muito diversificada, que nunca tinha sido descrita antes ”, disse Rocha.

A ornamentação não era igual para todas as espécies. “Ela deve estar relacionada com a digestão, mas, independentemente de entendermos a função, podemos comparar morfologicamente e refinar quem é mais parente de quem. A partir desses detalhes finos da anatomia, podemos recuperar a filogenia, fugindo daquilo que consideram intuitivo”, disse o pesquisador.

O artigo Phylogenetic reconstruction of Syntermitinae (Isoptera, Termitidae) based on morphological and molecular data, de Maurício M. Rocha, Adriana C. Morales-Corrêa e Castro, Carolina Cuezzo e Eliana M. Cancello, pode ser lido em https://doi.org/10.1371/journal.pone.0174366.

Maria Fernanda Ziegler / Agência Fapesp, com edição do Jornal da USP Leia aqui o texto original na íntegra:

http://agencia.fapesp.br/pesquisa-altera-arvore-genealogica-dos-cupins/25805/

O artigo Phylogenetic reconstruction of Syntermitinae (Isoptera, Termitidae) based on morphological and molecular data, de Mauricio M. Rocha , Adriana C. Morales-Corrêa e Castro, Carolina Cuezzo e Eliana M. Cancello, pode ser lido em https://doi.org/10.1371/journal.pone.0174366.