Criminalização de comunidades tradicionais de fundo fecho de pasto, BA

NOTA DE DENÚNCIA E REPÚDIO
Fecheiros e militantes do MAB são presos e criminalizados injustamente no município de Correntina, oeste da Bahia
Correntina – BA, 19 de maio de 2025
O Coletivo dos Fundos e Fechos de Pasto da Bacia do Rio Corrente, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Comissão Pastoral da Terra – CPT/BA, a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR/BA), a Campanha Nacional contra a Violência no Campo, a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP) e a Escola de Ativismo vêm a público manifestar veemente repúdio à criminalização de lideranças comunitárias e militantes do MAB, bem como denunciar as reiteradas violações de direitos humanos que vêm sendo praticadas contra comunidades tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto no oeste da Bahia.
Na última sexta-feira, 16 de maio de 2025, os trabalhadores rurais Solange Moreira Barreto e Silva — camponesa, fecheira, agente comunitária de saúde e militante do MAB — e seu esposo Vanderlei Moreira e Silva, também camponês e fecheiro, foram presos de forma arbitrária no aeroporto do Rio de Janeiro (RJ). O casal, em viagem pessoal planejada há três anos e com pacotes adquiridos desde 2024, foi detido sem que fossem previamente informados sobre as acusações que recaem sobre eles.
Além deles, outras quatro pessoas da mesma comunidade estão com mandados de prisão em aberto, sem qualquer conhecimento das razões legais que justificariam tais ordens. Desde a data das prisões, advogadas das entidades envolvidas tentam, sem êxito, obter habilitação junto ao processo criminal na Comarca de Coribe (BA). A negativa sistemática por parte do judiciário, somada à realização de audiência de custódia sem a presença da defesa legal, configura grave violação aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
As pessoas envolvidas são amplamente reconhecidas na região pelo seu compromisso com a defesa dos territórios tradicionais, da biodiversidade, dos recursos hídricos e dos direitos humanos. Trata-se, portanto, de um caso emblemático de prisão política e criminalização de lideranças que resistem à grilagem de terras públicas e à expropriação de territórios tradicionais no oeste baiano.
Os episódios de violência não se limitam às prisões. Na madrugada do dia 17 de maio, o rancho da comunidade de Brejo Verde foi destruído e incendiado, e agentes de segurança privada armados intimidaram trabalhadores no Fecho de Entre Morros, impedindo a realização de atividades tradicionais como o manejo coletivo do gado.
O terror institucionalizado segue em curso. No dia 19 de maio, cerca de oito viaturas das polícias Civil e Militar invadiram os territórios das comunidades de Brejo Verde e Aparecida do Oeste, arrombando residências sem mandado judicial e promovendo ameaças e violência psicológica contra familiares dos fecheiros criminalizados, gerando pânico e insegurança entre os moradores, que hoje vivem com medo de circular por suas próprias comunidades.
Desde a década de 1970, povos e comunidades tradicionais da região denunciam sistematicamente as violações de seus territórios a diversos órgãos públicos. A omissão estatal diante das constantes ações de grilagem, violência armada e destruição de bens comuns tem contribuído para o agravamento dos conflitos. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Correntina é o município com maior número de conflitos agrários registrados na Bahia entre 1985 e 2023, totalizando 132 ocorrências — número que segue crescendo em 2024 e 2025. Há registros de destruição de ranchos, derrubada de pontes e cercas, ameaças a idosos, tentativa de homicídio, disparos de arma de fogo, coerções e fechamento de vias de acesso a áreas de uso coletivo.
O aparato policial do Estado da Bahia, com apoio de setores do judiciário, tem sido instrumentalizado para promover a repressão contra trabalhadores rurais, violando direitos humanos, territoriais e fundamentais das comunidades tradicionais. Diante dessa realidade, as entidades signatárias desta nota exigem:
A libertação imediata dos trabalhadores presos injustamente;
A habilitação imediata das advogadas da defesa nos autos do processo criminal;
A suspensão das ações policiais em territórios de comunidades tradicionais, especialmente aquelas realizadas sem mandado judicial.
As organizações signatárias reafirmam seu compromisso com a defesa da vida, da dignidade dos povos tradicionais e do Estado Democrático de Direito.