Parteiras da Comunidade Ribeirão dos Bois, Kalunga
Ribeirão dos Bois é uma comunidade quilombola, localizada no Nordeste goiano a 50 km do município Teresina, GO. Hoje a comunidade é constituída por cerca de cento e vinte famílias, as quais são compostas por Kalungas que residem ali desde o processo de resistência à escravidão. Para as parteiras quilombolas, o parto é um momento de extrema intimidade, não permitindo participação de outras pessoas a não ser das ajudantes. Todos os procedimentos são vistos como uma espécie de ritual sagrado, onde se devem evitar corrente de ar frio e alguns alimentos considerados perigosos. Essas práticas envolvem orações constantes, benzimentos, banhos e até chás para ajudar na contração e apressar o parto. As crianças recém-nascidas, muitas vezes, recebem cuidados especiais, como cordão benzido contra mau olhado, quebranto e outros.
Conforme Santos (2015, p.2), as parteiras aprenderam os partos na prática, a necessidade as obrigou a aprender essa profissão, pois não existia médico por perto, e o escravo já tinha o seu saber. Era longe de tudo, e algumas aprenderam assim, e foi passando de mãe para filha e, cada vez mais, foram aperfeiçoando seu modo de fazer o parto. Nessas atividades, nada era cobrado. A parteira ia por se sentir útil em ajudar uma criança a vir ao mundo. Nessas práticas, elas recorriam às suas crenças e aos remédios caseiros. Quando eram chamadas, não se importavam com a distância e nem com a hora, prontamente, dirigiam-se rumo ao dever que tinha escolhido para si. Levavam consigo todos os remédios que iria fazer uso na hora e depois do parto. Para essas mulheres, é gratificante salvar vidas. As suas práticas estão dentro de seus cérebros, em sua memória, pois elas não tiveram a oportunidade de se alfabetizar.
“Eu tive 7 filhos e todos de parto normal, com parteira Mariana. E tive minha primeira filha aos 12 anos de idade. Logo tive aquele sonho de saber como era o trabalho das parteiras e quis aprender. A inteligência Deus deu na ideia sonho de ser parteira, e aprendi com a minha vó a véia França, depois que tive minha primeira menina, e nos partos dos filhos que tive ainda. Sinto que já não tem mais parto por aqui, vão para os hospitais da região” … Não faço mais parto porque minha companheira faltou (faleceu), fiquei sozinha. Mais se caso precisar, eu vou nas reuniões e nos partos se eu arrumar alguma companheira. Mas as mulheres está indo tudo para o hospital, pois ninguém está pegando menino mais aqui. A gente fica assim meio fraco de manter. Recebi um pouco de ajuda apenas uma vez do governo, das mulheres que fiz os partos só agradecimentos e outras nem isso e muitos dos meninos nem dá ligança (não se importam). Desejo muito continuar, mas estou muito fraca, acho que não dou mais conta, mas se precisar de mim eu vou … Já atendi um bocado, quase umas 80 mulheres, se pagava ou não eu sempre ia ajudar. Já tratei de depressão, pneumonia, febre, maleta, cólicas com uso de chás de (pereira tatu, fedegoso). É importante alguns cuidados para tratar as mulheres no parto ou doentes. Precisa lavar as mãos, passar o azeite e dar o toque. Os banhos (cipó maninho, mentração, casca de pequi) depois que ganhava dava o banho com casca de caju, manjericão, mama de porca, carrapicho e metraço. Para esquentar a dor era carrapicho barra de saia, queimava na pinga para esquentar a pra tirar a friagem, esquentava leite de gengilin descascava o inhame e lavava ele e dava a golda pra beber. Fervia o ovo e o pintinho dele um pouquinho e colocava canela e cravo para dar força na mulher, falta vomitar, mas tinha que tomar … Tinha simpatia também, mais eu mesmo não fiz nenhuma, pois eu não sabia. Fazia os banhos usando as plantas medicinais (favaca), tirava o colchão ficava só nas varas e as painhas, igual Nossa Senhora com menino Jesus, que nasceu em Belém nas painhas do chão, coloca um plástico e dois travesseiros para ela recostar outra vez recostava na gente. A placenta, no outro dia agente levava o sal e ia enterrar.
Ainda tinha a ciência: abria o buraco redondinho, a placenta é igual uma arraia, enterrava com o umbigo para cima, pois se ficasse para baixo a mãe morria ou então o filho … Eu uso tudo que for necessário e que aprendi, se precisar benzer eu benzo, se precisar de banhos e chás eu faço, e procuro manter a casa limpa, dá uma olhada nas roupas e panos que a grávida vai usar no parto e depois do parto. O pai dentro do quarto não ajudava em nada, só ajudava se chamasse mesmo. Ajudava mesmo quando precisasse buscar algum remédio ou fazer alguma comida, às vezes ele mesmo que tinha que dar o tombo na cozinha para fazer a comida da mulher. O parto é coisa de mulher, homem não participa … Não pode pegar peso, não pode soprar fogo, não pode gritar, não pode varrer, também tinha que colocar algodão no ouvido e usar saia e blusa comprida para não pegar friagem, tinha que tomar água quente da noite para não crescer a barriga, e é recomendado só lavar a cabeça depois de um mês, e quando for lavar, tinha que cozinhar remédio (quina, mentraço, catinga de barrão, favaca, manjericão, negramina), oi de caju e oi de goiaba branca … O que me agrada é que sempre deu tudo certo, não tive nada para embaraçar, mesmo eu não sabendo ler deu tudo certo. Era felicidade para mim e para as mulheres que me ensinou, tudo certo. A dificuldade é a falta de dinheiro que não dava para ser alimentada direito, e a falta de transporte, de noite mesmo saímos, muitas vezes, quebrando a unha. Os meninos que eu peguei dava tudo certo, nenhum tava atravessado, mas eu já tive menino pelos pés e pela escadeira (pela bundinha encuidinha). Só eu que sofri quando tive neném, ganhei dez horas fui dar acordo (fui acordar) às cinco horas, passei ruim, por um tiquim eu tinha morrido (DONA I. F. S.).
Fonte: SANTOS, Suziana De Aquino. Os saberes e fazeres das parteiras na comunidade Kalunga, Ribeirão dos Bois, Teresina –GO. 2015. 43 f., il. Monografia (Licenciatura em Educação do Campo)—Universidade de Brasília, Planaltina-DF, 2015.