Ofício de Parteira Tradicional é Patrimônio Cultural do Brasil
“No dia 09 de maio de 2024, durante a sua 104a Reunião, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, vinculado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), reconheceu o Ofício, os Saberes e as Práticas das Parteiras Tradicionais do Brasil como Patrimônio Cultural nacional, com sua inscrição no Livro dos Saberes. O Registro, instrumento de reconhecimento de bens de natureza imaterial, visa o reconhecimento, a promoção, a valorização e a salvaguarda de bens intangíveis que compõem a pluralidade da constituição da sociedade brasileira.
Parteiras Tradicionais são mulheres que ajudam outras mulheres no ciclo de gestação, parto e puerpério e que estendem sua atuação pautada no cuidado e na inserção comunitária para toda a família. As parteiras tradicionais aprendem na prática, com outras mulheres-parteiras, por meio da observação, dos ensinamentos e das conversas, e têm as mãos como instrumento principal de trabalho. “As mãos é o que Deus deixou pra gente. As mãos são sagradas”, diz Mãe Dôra Pankararu, Patrimônio Vivo de Pernambuco, no filme Nossas Mãos são Sagradas. A comunhão do mesmo universo sociocultural e a proximidade tecem uma relação de comadrio entre parteiras, mulheres e famílias e por isso são chamadas de comadres pelas mulheres que atendem e de mães, madrinhas ou até avós pelas crianças que ajudam a chegar no mundo.
O pedido de Registro dos Saberes e as Práticas das Parteiras Tradicionais do Brasil foi realizado ainda em 2011 pela Associação de Parteiras Tradicionais de Caruaru, Associação de Parteiras Tradicionais de Jaboatão dos Guararapes, Grupo Curumim e Instituto Nômades. A solicitação se deu após a realização do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) dos Saberes e as Práticas das Parteiras Tradicionais de Pernambuco, coordenado pelo Instituto Nômades (de 2008 a 2011), o qual o embasou destacando a antiguidade do ofício, a oralidade como forma de transmissão, a inserção comunitária e a desvalorização dos saberes tradicionais. Entretanto, como afirma, Maria dos Prazeres de Souza, Patrimônio Vivo de Pernambuco: “Enquanto houver vida humana na Terra, haverá parteiras”.
O trâmite da solicitação (2011) até a efetivação do Registro (2024) passou por etapa de avaliação de pertinência pela Câmara Técnica do Patrimônio Imaterial do Iphan, instrução do processo com realização de pesquisa documental e bibliográfica e pesquisa etnográfica em outros estados do país: Amapá, Amazonas, Maranhão e Goiás, a fim de complementar os dados de Pernambuco, que subsidiou o pedido inicial. O Departamento de Antropologia e Museologia da Universidade Federal de Pernambuco foi responsável pela realização de dossiê escrito, dossiê fotográfico e filme de Registro, sob coordenação dos Professores Elaine Müller e Hugo Menezes e ampla equipe formada por pesquisadores, técnicos, docentes e discentes.
Ao longo dessa caminhada, nasceu o Museu da Parteira, iniciativa desejada e desenhada pelas parteiras de Pernambuco, que vem realizando ações de salvaguarda e de cunho museológico, bem como tecendo redes de encontros e reflexões e articulação com políticas públicas de cultura para o ofício. “Desde a realização do INRC, iniciado em 2008, do qual fui coordenadora, estou envolvida com processos de pesquisa, documentação, valorização e promoção do Ofício de Parteira Tradicional e das parteiras por compreender a sabedoria e a ciência que carregam e transmitem e a importância que tem em suas comunidades e para todas nós. Com todo esse tempo de estrada conjunta, hoje somos comadres“, diz Júlia Morim, que também coordenou a pesquisa etnográfica nacional e integra a equipe do Museu da Parteira.
Em Pernambuco, Maria dos Prazeres de Souza, residente em Jaboatão dos Guararapes, e Mãe Dôra, indígena do povo Pankararu, do sertão do estado, são reconhecidas como Patrimônio Vivo do estado; Edileusa Maria da Silva é reconhecida como Patrimônio Vivo do Recife; e Zefinha Parteira, falecida em 2022, foi reconhecida como Patrimônio Vivo de Caruaru. O reconhecimento dos saberes dessas mulheres, em nível nacional, é mais uma camada nesse amplo processo de visibilidade e valorização. “O Conselho Consultivo do Iphan hoje deu um passo importante em demonstrar que o cuidado, a saúde e o bem viver são pautas para o patrimônio. O reconhecimento de um bem como Patrimônio Cultural do Brasil indica sua importância para a formação cultural do país e implica o engajamento e a responsabilidade do Iphan, órgão responsável pela preservação e promoção do patrimônio em nível federal, a fim de garantir, em conjunto com a sociedade civil, que esses saberes e essas práticas sejam mantidos e transmitidos para gerações futuras“, comenta Elaine Müller.
O dossiê de registro entregue ao Iphan destaca que:
“a resistência é constitutiva da experiência das parteiras. Ela é, ao longo dos séculos, a capacidade do ofício de reinventar-se ativando e conservando conteúdos ancestrais, tanto quanto assimilando elementos novos. As parteiras são, na prática, agentes da decolonialidade ocupando um lugar contra-hegemônico na assistência ao parto, atendendo inúmeras mulheres, principalmente nos lugares mais distantes das grandes cidades do Brasil.
(…)
Parte significativa do valor patrimonial do ofício, que precisa ser salvaguardado, compreende a dedicação de uma vida à arte do partejar, numa lógica diferenciada de acolhimento e cuidado, fortes vínculos comunitários, relações intrínsecas com a natureza e construção de laços afetivos — como o comadrio —, que envolvem afetação e profunda empatia. O ofício de parteira tradicional precisa de amparo e proteção do Estado para potencializar a atuação das mestras por meio das políticas públicas de cultura, bem como para promover o seu reconhecimento enquanto constituinte cultural do Brasil, um patrimônio do povo brasileiro.”
O parecer da relatora Givânia Maria da Silva aponta que a instrução do processo apresenta documentos, anexos, dossiê completo e denso que revela o universo e o cotidiano das parteiras tradicionais em todo o país e ressalta que o reconhecimento como patrimônio precisa ser feito a partir da chave de uma reparação história às parteiras tradicionais do Brasil. “O Estado precisa arcar com as ações que geram e preservam vida”, conclui.
Relatora Givânia Maria da Silva lê o parecer durante reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio CulturalViva as parteiras tradicionais!Para saber mais acesse o Dossiê Escrito: Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.gov.br/iphan/pt-br/assuntos/noticias/copy_of_Dossie___Parteiras_Tradicionais_do_Brasil.pdf
Contato: Museu da Parteira (81) 98863.1239
museudaparteira@gmail.com