Respire o ar do Cerrado

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O clima do Cerrado é marcado pela distribuição sazonal da precipitação, com um período marcadamente seco e um período chuvoso que concentra cerca de 90% da precipitação anual. As variações de temperatura são menos marcantes, com temperatura média em torno de 22-23ºC. No  entanto, em função de sua ampla distribuição,  ocupando cerca de 22% do território nacional, o Cerrado apresenta variações sub-regionais na temperatura, na precipitação total, na duração do período seco e em altitude.


Mudança no clima no Cerrado

Estima-se que as atividades humanas já tenham causado cerca de 1,1°C de aquecimento global, desde o período pré- industrial até o presente14. Especificamente no Cerrado, foram registrados aumentos mensais de 2,2-4,0oC nas temperaturas máximas e 2,4- 2,8 oC nas temperaturas mínimas entre os anos de 1961 e 201915. O planeta provavelmente atingirá ou excederá 1,5°C de aquecimento nas próximas duas décadas (2030 e 2052). Essas mudanças podem ainda ser maiores em um cenário de altas emissões, em que o mundo pode aquecer até 5,7°C até 2100. O aumento de 1,5°C provocaria um aumento de até 22% da área queimada no Cerrado até 2050.

 

O cenário pessimista, que considera aumento de 4,5°C a 8,5°C na temperatura global, é ainda mais catastrófico, com aumento da área queimada pelo fogo de 39% a 95% até 2100, o que poderia ocasionar o desaparecimento do bioma18. Além disso, em um cenário de 4,5°C, a proporção de queimadas de alto impacto se expandiria de 3% do bioma para 15% até 2050, e o impacto do fogo se intensificaria em 95% no Cerrado.

 

Os impactos da mudança global do clima interagem com mudanças de uso da terra no bioma, que contribuem com emissões de gases de efeito estufa, modificam o regime de queimadas e alteram o ciclo hidrológico no Cerrado.



Mudanças de uso da terra no Cerrado

Nas últimas décadas, os ecossistemas de Cerrado estão passando por uma rápida perda de habitats devido a uma extensa conversão de áreas de vegetação nativa para outros usos. Apesar das funções vitais desempenhadas pelo bioma, cerca de 46% das áreas nativas do Cerrado já foram convertidas devido à expansão agrícola e o restante está sob constante ameaça. A conversão de áreas nativas no Cerrado atingiu mais de 8,5 mil km² entre 2020 e 2021, a maior desde 2015. A substituição de vegetação natural por áreas agrícolas tem sido destacada como uma das principais atividades antrópicas responsáveis pelo aumento da quantidade de carbono na atmosfera.

 

A vegetação nativa do Cerrado vem dando lugar principalmente a pastagens e plantações de soja, sendo que essas atividades ocupam cerca de 41% da área original do Cerrado (34% pasto e 7% soja). Essas práticas, ligadas ao desmatamento no Cerrado, emitiram cerca de 55,5 milhões de toneladas de CO2 em 2019. A vegetação nativa remanescente no Cerrado também está ameaçada pela alta frequência de incêndios, que está fortemente relacionada com desmatamento. De 2000 a 2019, o Cerrado foi o bioma brasileiro mais afetado pela ocorrência de incêndios (41% de sua área).

 

O ritmo acelerado de desmatamento e o aumento da frequência de incêndios no Cerrado estão associados à degradação do bioma, com severas consequências negativas atreladas às emissões de gases do efeito estufa e às mudanças climáticas. O fluxo do carbono atmosférico também tem sido alterado pelos incêndios. Cerca de 3,16 milhões de toneladas de CO2 foram emitidos por queimadas no Brasil entre 1990 e 2020, sendo que o Cerrado foi o bioma que liderou as emissões de GEE (2,03 Gg CO2), correspondendo a cerca de 64% das emissões brasileiras por queimadas. Esse carbono liberado pela queima pode retornar para a vegetação ao longo do tempo, na medida em que a vegetação se regenera. Apesar da vegetação do Cerrado ter evoluído com o fogo, a presença humana tem modificado o regime de fogo através de três determinantes principais: o clima, a quantidade de combustível e as suas fontes de ignição, que agora já não são apenas as fontes naturais, mas também humanas30. Essas modificações têm causado incêndios mais severos e frequentes, impedindo que a vegetação recupere o carbono perdido. Além disso, outros gases do efeito estufa que não CO , como o metano (CH ) e o óxido nitroso (N2O), não são reabsorvidos pela vegetação.

 

Atualmente, a maior proporção de vegetação remanescente do Cerrado está na porção norte do bioma, onde são observadas as taxas mais altas de conversão nos últimos 30 anos. A região é conhecida como Matopiba (acrônimo composto a partir dos nomes dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e também concentra o maior número de focos de incêndios. A interação entre o desmatamento e o fogo opera em um ciclo destrutivo no qual, quanto mais se desmata, mais gases de efeito estufa são emitidos, potencializando as mudanças climáticas, que, por sua vez, causam aumento de temperatura e clima mais seco, o que torna o sistema mais vulnerável à ocorrência de novos incêndios. Ambientes que sofreram desmatamento ou incêndio recentes se tornam locais favoráveis ao aumento da presença de gramíneas, que se adaptam facilmente a ambientes abertos com alta intensidade de luz. As gramíneas, por terem uma estrutura fina e aerada, se tornam altamente inflamáveis durante o período seco, tornando-se fonte de combustível para o fogo. Assim, a alta flamabilidade dos ambientes é mantida por um mecanismo de retroalimentação em que o fogo diminui a cobertura vegetal, favorecendo a expansão dessas gramíneas, o que aumenta ainda mais a flamabilidade da vegetação, favorecendo, assim, a ocorrência de novos incêndios.

 

Quem corta a vegetação natural está plantando a seca

A agricultura está ligada ao clima e à temperatura. A vegetação nativa funciona como uma usina natural que regula o microclima local. Se suprimir essa vegetação, a área da lavoura fica mais seca e isso atrapalha o ciclo de crescimento de plantas como a soja e o milho, impactando a produtividade da safra. 

 

Mudanças no regime de chuvas e no aumento da temperatura, que já são observadas hoje, tendem a se agravar ainda mais nos próximos anos, e os impactos serão sentidos principalmente no Cerrado brasileiro.

 

O aumento das temperaturas já fez com que 28% das áreas agrícolas produtoras de milho e soja saíssem do ideal climático na região Centro-Oeste do País. Essas condições adversas já diminuíram a produtividade da soja e da safrinha do milho na Região do Matopiba e em Mato Grosso, e perdas na produção deixaram áreas agrícolas sem plantar a segunda safra, principalmente a partir de 2012. Se nenhuma mudança ocorrer, em uma década, essa produção pode ser afetada em 50% e nos próximos 30 anos em 70%. 

Desmatamento aqueceu Cerrado em 0,9°C

As mudanças de uso do solo podem implicar em redução das chuvas porque para ter água caindo num local, ele precisa dessa umidade. O desmatamento do Cerrado, bioma que já perdeu quase metade de sua área de vegetação nativa, fez seu território aquecer cerca de 1°C no início do milênio e também reduziu em 10% a capacidade das plantas da região lançarem umidade no ar, o que afeta o ciclo de chuvas do qual a agricultura da região depende.

 

Em áreas arborizadas de savana, a vegetação mais típica do cerrado, a substituição das plantas nativas por pastos e lavouras também prejudicou o clima, aumentando a temperatura em 1,9°C e reduzindo a evapotranspiração em 25%.

 

Esses valores são adicionais ao aumento de temperatura atribuído às mudanças climáticas globais, provocadas pelo agravamento do efeito estufa, que já aqueceram o planeta inteiro em 1,1°C. O aquecimento regional acontece porque a evapotranspiração normalmente atua como um efeito de “ar condicionado natural” nos locais onde ocorre, dissipando calor do solo.

 

Além de prejudicar o clima regional, o desmatamento do cerrado torna os remanescentes de vegetação nativa mais vulneráveis. Existe um impacto também em relação a incidência do fogo. O cerrado é um bioma que queima com mais frequência que os outros, mas ele sofre quando a ocorrência de fogo está acima do que é normal para ele.

Solução: Políticas encorajando o desmatamento zero e a restauração dos 5,2 milhões de áreas desmatadas ilegalmente conteriam parte dos impactos da mudança de uso da terra na temperatura e na umidade.

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